1) Qual sistema hermenêutico o livro bíblico de Daniel favorece para sua
interpretação, tendo em vista uma leitura natural e considerando sua estrutura
literária e conteúdo?
É reconhecido por estudiosos da Bíblia, mesmo os adeptos
do sistema hermenêutico preterista (os que interpretam o livro de Daniel como
descrevendo eventos após sua ocorrência), que o livro de Daniel e seu autor
afirmam está predizendo o futuro. Por exemplo, em Dan 2:7-12 e Dan 4, o autor
claramente diz que sua mensagem é sobre o futuro. Daniel repetidamente
demonstra que sua mensagem é de procedência divina (Revelação) e por isso deve
ser considerada verdadeira e confiável. Isso quer dizer que Deus é Aquele que
revela os eventos que ainda não ocorreram
por ocassião do tempo do profeta Daniel.
Uma leitura, mesmo que superficial, de Daniel
indica que seu conteúdo clama por uma interpretação profética do livro. Por
profética eu quero dizer descritiva do “futuro” do autor. Assim, levando em
conta o próprio conteúdo de Daniel apenas duas escolas de interpretação são
válidas e coerentes, o futurismo e o historicismo. Ambos futurismo e historicismo lêem o livro de
Daniel descrevendo em símbolos a história das ações divinas. Essas ações vão
desde o tempo do autor até o tempo do fim. A maior differença entre esses
sistemas interpretativos é o hiato/lacuna histórica entre o “presente” (do
tempo do profeta/autor) e do “futuro” (eschaton-Reino de Deus).
Para os futuristas há um grande hiato nas profecias
de Daniel. Por exemplo, para os futuristas, 69 das 70 semanas de Dan 9 se
referem primariamente ao tempo de Jesus no séc I (AD). Mas a última semana (70ª)
é referente ao fim dos tempos quando o anticristo virá. Eles também interpretam
o chifre que começa pequeno em Dan 7 e 8, assim como alusões desse poder em Dan
11, de uma maneira dupla. Primariamente
esse poder (simbolizado pelo chifre) é historicamente Antíoco Epifânio, pois é
o desafiador do povo de Deus no tempo do autor de Daniel. Mas tipologicamente é
o anticristo futuro.
Contráriando essa interpretação o historicismo
interpreta esse chifre que começa pequeno identificando
apenas uma entidade histórica. Isso também se aplica aos tempos proféticos
como símbolos do futuro (do profeta). Tanto o tempo como a entidade histórica
prefigurada identificam apenas um evento numa contínua linha do tempo desde o
tempo do profeta/autor até o tempo do fim (eschaton-Reino de Deus).
Qual sistema hermenêutico o livro de Daniel
favorece? Em Dan 2:38,39 a interpretação da estátua refere-se a reinos em
sucessão histórica. Començando de Babilônia (“tu és a cabeça de ouro”) até o
estabelecimento do reino de Deus sem
interrupção. Semelhante a Dan 2, o capítulo 7 possui a mesma sequência de 4
reinos sucessivos + 1 reino distinto + Reino de Deus no fim. Em Dan 8 há uma
mesma sequência de reinos até o fim (v.17,19). Um deles é interpretado no
próprio livro como Media e Persia (v.20), e o poder que o segue como Grécia
(v.21). Em Dan 11 os reis também são descritos em sucessão temporal, um seque o
outro.
Assim, levando em conta o próprio conteúdo do livro
de Daniel, a impressão é que todas as visões possuem o mesmo conceito de descrever a história do tempo do profeta até
o tempo do fim sem hiatos significativos. A estrutúria literária em
paralelismo temático fortalece essa ideia que parelha todas as visões
proféticas de Daniel (2,7,8-9,10-12). Vejamos apenas algumas semelhanças: Dan 7
e 8 finalizam com um juízo celeste; Dan 8 e 11 descrevem um poder inimigo
atacando o santuário de Deus e Seu culto bem antes do fim; Dan 2 e 7 começam
com 4 reinos.
Outra evidência significativa apoiando essa
interpretação historicista sem maiores hiatos temporais se encontra na interpretação
de Jesus (Mat 24:15; Mar 13:14). Para Cristo à abominação desoladora do chifre blasfêmio
contra o santuário ainda estava para acontecer (futuro imediato de Jesus). João
no Apocalipse também refere-se as profecias de Daniel acontecendo no futuro,
mas isso requer uma visão historicista para interpretar o livro de Apocalipse.
O que concluímos aqui é que a leitura mais coerente do livro de Daniel é historicista. Sua estrutura literária e conteúdo sugerem fortemente que seus símbolos proféticos predizem eventos e poderes em sucessão histórica desde o tempo do profeta até o tempo do fim sem hiatos significativos. Talvez seja por isso que o autor seja elevado geograficamente em visão ou sonho, pois os eventos transcritos ocorrem além de sua habilidade.
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