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sábado, 7 de agosto de 2010

REVELAÇÃO em Ellen G. White e na teologia Emergente

Introdução

A Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) tem como base de todas as suas crenças e práticas as Sagradas Escrituras.[1] E por essa razão, a compreensão do tema da Revelação e temas relacionados, tais como Inspiração, é de grande importância, visto seu efeito sobre as demais áreas da teologia como o Adventismo compreende.[2] Mas o fato é que dentro do Adventismo não há uniformidade acerca do assunto.[3]

Entre as muitas opiniões, a organização da IASD tem uma posição clara sobre Revelação, como encontrado no Nisto Cremos, no Manual da Igreja e no Handbook of Adventist Theology. Ela considera as Escrituras como a “escrita Palavra de Deus, dada por divina inspiração através de homens santos de Deus que falaram e escreveram ao serem movidos pelo Espírito Santo. Nesta Palavra, Deus confia à humanidade o conhecimento necessário para a salvação. As Santas Escrituras são a revelação infalível de Sua vontade. Elas são o padrão de caráter, o teste da experiência, a autoritária reveladora de doutrinas, e o confiável registro das ações de Deus na história.”[4]

Durante sua história, o Adventismo do Sétimo Dia tem enfrentado muitos desafios acerca da compreensão que a Igreja possui sobre a maneira que Deus se revela com a humanidade.[5] A nova onda é o movimento Emergente. Sua influência traz “novos” desafios ao Adventismo e a sua compreensão sobre a doutrina da Revelação e Salvação. Ciente do perigo de algumas crenças Emergentes, algumas respostas foram produzidas por líderes Adventistas.[6] Todas essas respostas são geralizadas em sua argumentação e não endereçam especificamente o tema da Revelação e sua influência sobre a soteriologia Adventista.

O objetivo desse pequeno artigo é comparar brevemente os conceitos de Revelação e Salvação em Ellen G. White (EGW) com a Igreja Emergente (IE). Há várias razões pelas quais eu escolhi EGW como base de contraste com os Emergentes. Eu destaco primeiramente que ela é considerada uma profeta e portanto, uma voz autoritária no Adventismo; segundo, EGW está imersa no tema da Revelação por ser ela mesma uma profeta que recebeu revelações do Senhor; terceiro, ela tem uma mensagem clara sobre o assunto; e por último, ela está fora do debate hoje entre os simpatizantes e críticos da IE, podendo assim ter uma “neutralidade” sobre o assunto.

Abaixo contrasto as interpretações acerca do ensino bíblico da Revelação e dois temas relacionados, Deus e Salvação. A seleção desses dois temas não é aleatória mas lógica, visto que há uma conexão intrínseca entre Revelação, Deus e Salvação. Definindo Revelação como: comunicação de Deus com o intuito de descrevê-lO, e produzir uma resposta positiva de Sua criação, salvação é a resposta interativa humana para com a Revelação divina. E como veremos, tanto EGW e a IE fazem fortes relações entre esses três temas teológicos.

Ellen G. White Revelação

A autora EGW escreveu extensivamente. Portanto, por clareza e objetividade de argumento, nesse artigo selecionei uma porção dos escritos de EGW onde ela trata especificamente dos temas acima mencionados. Selecionei o volume 8 dos Testemunhos para as Igrejas [7], p.256-335, porque nessa porção de seus escritos achei a apresentação mais clara e extensa sobre Revelação e os perigos relacionados com falsos ensinos acerca de Deus. Esse é o ponto principal que causa tensão entre os simpatizantes e os inimigos da visão Emergente entre o Adventismo.

O Testemunho foi publicado em meados da virada do século, pelo ano 1904, “para enfrentar uma crise – a maior crise que a Igreja Adventista do Sétimo Dia já enfrentou” (p.5). A crise envolvia diferentes a compreensões acerca da divindade, Revelação e consequentemente, soteriologias moldadas no formato dessas diferentes visões sobre Deus. Portanto, ela abalou “o próprio fundamento da fé Adventista do Sétimo Dia.” (p.5)

O tema central do argumento de EGW, em sua resposta às idéias panteístas de Kellogg, é como Deus interage com a criação. Para ela, Deus é um ser pessoal (não uma energia), que administra a criação e reina sobre ela (p.263). A criação do ser humano à imagem de Deus é uma evidencia que o Criador interage com a criação em uma forma pessoal (p.263). Antes do pecado, a natureza claramente refletia a Deus, mas após, a luz do conhecimento de Deus é “deturpada” e o homem não pode mais compreender a divindade perfeitamente (p.256).

Agora, no período do pecado, Deus revela a Si mesmo novamente de forma clara através das Escrituras e, especialmente, por meio da encarnação de Seu Filho (p.257,265). É na luz da glória do conhecimento de Deus na face de Jesus Cristo que a correta compreensão do caráter de Deus é discernido. Isso porque Cristo Jesus é o único caminho de comunicação entre Deus e o homem (p,265). EGW contrasta esse interpretação da Revelação com aquela que ver a natureza como suficiente para revelar o caráter de Deus e que habilita a humanidade alcançar o Criador por si mesmo (p.267-285). “A razão deve reconhecer a autoridade acima dela mesma.” (p.285)

Ela continua afirmando que o conhecimento de Jesus Cristo na cruz, como revelado nas Escrituras, é o centro da manifestação de Deus e o único conhecimento que pode salvar o homem de seu pecado (p.287, 289). Satanás, em contraste, introduz “fábulas agradáveis” para divergir a atenção dos homens da Revelação de Deus e produzir morte na humanidade (p.290).

A teoria de que Deus é uma essência que penetra toda a natureza é um dos mais sutis artifícios de Satanás. Representa falsamente a Deus e é uma desonra para Sua grandeza e majestade. As teorias panteístas não são apoiadas pela Palavra de Deus. A luz de Sua verdade mostra que essas doutrinas são meios destruidores de vidas. As trevas são o seu elemento; a sensualidade, a sua esfera. Satisfazem o coração natural, e favorecem a inclinação. A separação de Deus é o resultado de sua aceitação.”

Ela identifica o centro do problema. Enquanto as Escrituras ensina que apenas Jesus pode salvar pecadores, o espiritualismo coloca Deus dentro do ser humano, o capacitando para alcançar sua própria salvação (p.291). E esse falso ensino assaltará a Igreja com mais ainda mais força no final do tempos por meio de uma religiosidade sensacional (emotiva) e doutrina especulativas acerca da natureza divina e da Revelação (p.294,295). A solução para resistir essas falsidades está em ler as Escrituras assim como está escrito e por meio dela obter o conhecimento de Jesus tal quão a Revelação ensina (p.299).

Emergentes e Revelação

Para descrever a compreensão da IE sobre Revelação, escolhi o livro A is for abductive: the language of the emerging church,[8] primeiramente porque seus autores são Emergentes; segundo, porque suas obras são mencionadas em repostas tanto de Adventistas como de Evangélicos; e por último, por praticidade esse livro tem o objetivo de explicar os conceitos básicos da teologia Emergente. Formatado como um dicionário, o livro é estruturado em verbetes importantes na teologia Emergente com suas respectivas explicações.

Começando com Deus, os autores O descrevem como sendo tanto transcendente como imanente, perto da natureza e ao mesmo tempo longe dela (p.286). Deus é também visto em toda a criação, que é sagrado como Deus (p.265). Essa santidade é atribuída tanto a criação como ao Criador, portanto, tudo é sagrado e deve ser considerados com respeito (p.78,79). Destruir a natureza é destruir a humanidade, pois os seres humanos fazem parte do todo. Toda a criação está relacionada (p.72,79).

Essa compreensão da criação como parte de Deus é importante para a teologia Emergente pois “a experiência do eu como parte dos outros” é o caminho para entender o divino (p.72). Não há uma Revelação fixa de Deus, como as Escrituras vista por EGW, mas a vida do ser humano é parte da vida de Deus. A verdade de Deus é conhecida na interação com a comunidade, em experiências pessoais e comunitária do divino (p.75). Assim, para compreender Deus, o ser humano precisa compreender a estória humana (p.193-195). Revelação é definida como a “constante participação do cristão na estória de Cristo e Sua igreja” (p.234).

As Escrituras não funcionam como uma Revelação fixa de Deus, mas elas servem para despertar a espiritualidade em um encontro existencial dentro da comunidade de fé (p.265,266). Para alcançar esse objetivo de forma mais eficaz o indivíduo precisa escutar múltiplas interpretações de uma mesma passagem da Bíblia vindo da comunidade de fé para que o verdadeiro significado pessoal da passagem seja compreendido. Nesse esquema, o relacionamento místico entre Deus e o homem é o caminho desejado para desenvolver a espiritualidade. Místico aqui é o oposto do conceito moderno de racionalidade (p.203,204).

A maneira ideal desse relacionamento místico (ou irracional – tendo como partida o racionalismo da era moderna) com Deus, ocorre por meio da oração. “Oração é o mais poderoso campo de força do universo...oração é outra palavra para experimentar Deus” (p.243). Logo, Deus é revelado no encontro ou experiência instigada através do exercício da oração. Isso qualquer um pode fazer como achar melhor, pois religião é tudo que possibilita o relacionamento entre Deus, ao contrário de dogmas fixos, doutrinas ou instituições (p.267,268). A solução para unificar Deus com a humanidade é o auto-conhecimento que todas as coisas fazem parte de um todo.

Conclusão

Os pontos de vista tanto de EGW e da IE, como descrito acima, possuem similaridades e dissimilaridades. Ambos concordam que Deus existe e revela-Se aos homens. Suas interpretações acerca do ‘como’ essa Revelação ocorre é outra história. Enquanto EGW ver a Revelação de Deus em dois estágios, antes do pecado (claramente em toda criação) e após o pecado (claramente somente mediante Jesus e Escrituras), os Emergentes enxergam Revelação clara no relacionamento humano com a natureza ainda hoje.

A teologia Emergente, como representada em A is for abductive, considera a criação e o Criador santos e em uma unidade inseparável. EGW, no entanto, observa uma separação entre esses dois elementos que só pode ser remediada por meio de Jesus. Essa distinção entre a criação e o Criador faz com que em geral a concepção de Revelação deles sejam bem diferentes. No primeiro caso os seres humanos podem por si mesmos obterem o conhecimento salvífico mas no último caso, apenas Jesus como Revelação suprema de Deus oferece conhecimento capaz de salvar o pecador.

A IE pode ser considerada um dos perigos que EGW aponta em suas advertências acima. Nesta maneira, a mensagem soteriológica Adventista pode ser modificada negativamente caso os conceitos de Revelação e Deus Emergentes forem aceitos. Assim, creio que a posição oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia acerca de Deus, Revelação e Salvação está em maior acordo com a explicação de EGW e em desacordo com a IE.



[1] Nisto Cremos : 27 ensinos Bíblicos dos Adventistas do Sétimo Dia. (Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia) Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira. (2003) p.4. Manual da igreja : Igreja Adventista do Sétimo Dia (Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia).Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira. (2007) p.9.

[2] Peter M. van Bemmelen. Revelation and inspiration.IN: DEDEREN, Raoul. (org.) Handbook of Seventh-day Adventist theology. Hagerstown, MD: Review and Herald Publishing Association. (2000) p.22-57. Richard M. Davidson. Biblical interpretation. IN: DEDEREN, Raoul. (org.) Handbook of Seventh-day Adventist theology. Hagerstown, MD: Review and Herald Publishing Association. (2000). p.58-104. Review and Herald Publishing Association. (2002)

[3] Para um panorama histórico das divergentes opiniões no Adventismo ver: Alberto R. Timm, Divine accommodation and cultural conditioning of the inspired writings. Journal of the Adventist Theological Society, 19/1-2(2008): 161-174. Idem. Adventist views on inspiration. Perspective Digest, 13/3 (2008): 24-39. Idem. Adventist views on inspiration. Perspective Digest, 14/1 (2009):44-56 . Lael Caesar. Hermeneutics and culture. Perspective Digest, 14/3 (2009): 24-49.

[4] Nisto Cremos : 27 ensinos Bíblicos dos Adventistas do Sétimo Dia. (Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia) Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira. (2003) p.4. Manual da igreja : Igreja Adventista do Sétimo Dia (Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia).Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira. (2007) p.9.

[5] Alberto R. Timm, Antecedentes históricos da intrepretação bíblica Adventista. IN: George W. Reid (ed.) Compreendendo as Escrituras uma abordagem Adventista. Engenheiro Coelho, SP:Unaspress. (2007)

[6] Samuel Koranteng-Pipim. Trojan horses: the new spirituality movements. Adventists Affirm, 23/1 (2009) (pode ser acessado em http://www.adventistsaffirm.org/article.php?id=241) Ted Wilson. Go forward. Sermão dirigida a assembléia geral no encerramento da Conferência Gerald a Igreja Adventista do Sétimo Dia em Atlanta, Julho 03/2010. Fernando Canale. The emerging church: why does it mean? And why should we care?. Adventist Review. June 10, 2010. (pode ser acessado em http://www.adventistreview.org/issue.php?issue=2010-1516&page=16)

[7] WHITE, Ellen G.Testemunho para as Igrejas. Vol.8. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira. (2001)

[8] HASELMAYER, Jerry. MCLAREN, Brian D. SWEET, Leonard. A is for abductive: the language of the emergent church. Grand Rapids, MI: Zondervan. (2003). Para mais informações sobre como alguns evangélicos avaliam o movimento Emergente uma boa consulta é a obra CARSON, D.A., Becoming conversant with the emerging church: understanding a movement and its implications. Grand Rapids, MI: Zondervan. (2005).