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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Lição 11 – Adoração no início da Igreja Cristã

Na semana passada descobrimos que a encarnação de Jesus modificou os contornos do culto Vétero Testamentário. Isso quer dizer que os locais, rituais, e propósito do culto do templo Israelita ganharam dimensões maiores, superiores. Como já esperado pelos profetas, o Messias completa e realiza o objetivo do culto no santuário. Mas o que isso significava na prática da igreja cristã no tempo de Paulo e hoje?

Teologia e culto
O aparecimento do Messias cumpriu o proclamado e esperado por séculos na religião Israelita. A vinda de Jesus modificou muitas coisas. E certamente uma delas foi o culto. Ao começar a pregar que o carpinteiro de Nazaré era a esperança de Gn.3:15 realizada, a impressão que tenho em ler Atos é que os discípulos não entederam completamente o impacto do evento Cristo. Mas com o tempo, vivendo pelo Espírito, Deus os guiou no desenvolvimento da verdade como prometera antes de morrer (Jo.16:7-13).

O primeiro indício que encontro em Atos sobre mudança de paradigma no culto dos apóstolos é o conflito entre Pedro e os líderes do templo. Ao ouvirem os discípulos do Mestre , a quem eles haviam matado, no templo pregando sobre Jesus sendo o Messias, as “autoridades” religiosas os condena (At.4:1-22). Sendo assim maltratados, os apóstolos reagem de maneira antagônica aos líderes do templo e, consequentemente, aos seus rituais e ensinos de culto. Isso é percebido pelo conteúdo da resposta de Pedro ao Sinédrio.

Mas a reação não involve uma mudança radical e completa. Perceba que o grupo de  Jesus continua indo ao templo para adorar mesmo após a instituição de ‘pequenos grupos’ caseiros (At.4:32-35; 5:12). A ida frequente ao templo é um possível indicador que eles ainda relacionavam adoração com o templo de Jerusalém. Décadas depois, mesmo após o concílio de Jerusalém, Paulo ainda vai ao templo participar de seus ritos (At.21:26).

Isso não é de todo estranho, visto que no Antigo oriente o lugar de adoração na maioria das religiões era um edifício suntuoso chamado santuário. E mesmo porque até onde sabemos Jesus não havia dito para eles pararem de ir ao templo, mas que pregassem primeiro em Jerusalém. E que melhor local que o santuário?!
A questão é que a teologia de tais judeus não era mais a mesma que a 4 anos atrás (antes da vinda de Jesus). De acordo com a pregação de Pedro, eles entenderam que Jesus era o Messias. Ele era o filho de Davi, e que reina no trono de Deus no céu. Mas o que isso tem a ver com o culto? Estevão aparece como o primeiro em Atos a elaborar algumas implicações do evento Cristo no culto.

Em Atos 6 nos é informado que na região helênica de Jerusalém (os judeus da diáspora – não Palestinos – v.8,9) surgiu um acalorado debate envolvendo Moisés e Deus. E o personagem principal de tal agitação era Estêvão. O v.13 afirma que os judeus que não concordavam com Estêvão acreditavam que ele “não cessa de falar contra o santo e contra a lei.”

Isso quer dizer, “porque temos ouvido dizer que esse Jesus, o Nazareno, destruirá este lugar e mudará os costumes que Moisés nos deu.” (v.14) Tais argumentos e acusações repetem o que fizeram com Cristo. Em João 2, ao purificar o templo, Cristo afirmou que destruiria “este santuário”. No Sinédrio, perante  os sacerdotes, Jesus é acusado de rejeitar os rituais do santuário e afirmar ser Deus (contra o Santo e a Lei – ver Marcos 14:53-65 e paralelos em Mt.26:57-68 e Lc.22:63-71).
Que a causa da morte de Estêvão envolvia o culto, a lei e o templo como interpretado por Cristo basta ver a ênfase de seu discurso sobre o templo. Estêvão contrasta a idolatria de Israel com a adoração verdadeira do Templo que apontava para Jesus. Visto que os atuais líderes rejeitaram Jesus, eles eram também idólatras como os antepassados.

Mas a mais importante informação é o fato de Jesus estar no céu com Deus (v.56 – ver 2:33; 3:19-21). Se Pedro e Estêvão estiverem correto, que Cristo está no céu e oferece perdão/salvação, então qual o valor dos rituais do templo  e do próprio templo? Reconhecendo talvez as drásticas implicações de tal mensagem, os sacerdotes mataram Jesus e Estêvão, e tentaram matar Pedro e os seus seguidores. Tal mensagem tornaria o templo insignificante, assim pensavam.

Note que com a mudança da teologia o formato presente do culto Judeu começa a ser questionado. E o que significa a mensagem de 1844 e a mudança de Jesus do santo para o santíssimo na liturgia cristã? Deveria a liturgia adventista refletir o culto evangélico que não possui tal crença? Tais reflexoes teológicas são considerações importantes que deveriam afetar nossa maneira de cultuar. Mas, continuemos...
Teologia, missão e culto
Logo após o debate dos judeus helenos e do martírio de Estêvão, Lucas relaciona a figura de Paulo, da perseguição da igreja e da pregação do evangelho fora de Jerusalém. Esses elementos são preponderantes no desenvolvimento litúrgico no início da igreja Cristã.

A perseguição em Jerusalém fez com que os seguidores de Jesus saíssem de Sião para proclamar Jesus em Samaria. Vemos Filipe na região da prostituta de Sicar (lembra do discurso de Jesus sobre adoração em espírito e verdade?!), depois sendo levado por um anjo, pregando para um africano no deserto de Gaza, e em seguida em Azoto no norte de Gaza e em Cesareia. O movimento da pregação reflete o mandato de Jesus em At.1:8 – Judeia, Samaria e confins do mundo.
A missão dos seguidores de Jesus se espande com Saulo. Primeiramente com o Saulo perseguidor; e o mais importante, quando Saulo se converte. Pois é com a conversão de Saulo para Paulo que a missão aos confins do mundo (Gentios) ganha proporções de impacto. E o que isso tem a ver com o culto?

Se considerarmos que o templo era o locus judaico da salvação e presença divina, a missão dos cristãos tem muita influência no culto desse tempo/templo. Se Jesus é Deus, que oferece salvação, que está atualmente no céu, e que tem o Seu Espírito habitando em qualquer lugar com os crentes em Seu nome (Mt.18:19,20), então certamente Jesus se torna um templo, como afirmava os Cristãos. E qual o papel dos rituais em Jerusalém?
Ao saírem de Jerusalém e pregarem fora do templo, não só a teologia mas a missão e o culto mudam. Saulo, o assassino de Estêvão, teve que aprender essa lição caindo do cavalo. Pedro aprendeu com um sonho e com Cornélio. Tiago e os líderes cristãos em Jerusalém com um debate e concílio. A razão da missão afetar o culto é simples e ao mesmo tempo complexa.

Quando saímos de nossa zona de conforto e visões de mundo estabelecidas (tradições) os nossos hábitos são questionados. Aos saírem de Jerusalém e entenderem que Jesus era o Salvador do mundo não só dos Judeus como também dos gregos, e que tanto gregos como israelitas adoravam o mesmo Criador, as tradições litúrgicas dos discípulos foram expandidas. Saia de seu costume, de sua igreja local e vá pregar nas favelas, prostíbulos e bares, e veja como sua visão de culto será modificada!
Com a teologia modificada e a missão expandida, a liturgia cristã também reflete tais mudanças. Tal impacto foi reconhecido em Jerusalém. Em Atos 15 Lucas registra o que nomeamos o primeiro concílio eclesiástico cristão. E qual era o assunto principal da agenda? Missão e sua relação com culto e salvação (v.1,5). Pedro é o porta-voz do grupo que advogava mudanças na liturgia, grupo esse que incluia Paulo e Barnabé. Do outro lado estava a “seita dos fariseus que haviam crido” (v.5).

O argumento de Pedro é: como a salvação é pela graça, por meio de Jesus a todos que O aceitarem, o contato agora com o divino não passa mais por meio de sacrifícios ou sacerdotes, mas sim diretamente com Jesus no céu. Isso significa que a presença no templo em Jerusalém não era obrigatória, e que não precisava alguém ser judeu (circuncidado) pra adorar. Lembre-se que para entrar no templo em Jerusalém tal indivíduo deveria ser judeu circuncidado.
A decisão de Tiago, irmão de Jesus, é que o parecer de Pedro foi confirmado pelo Espírito, e por isso deveria ser aceito pela igreja. Os gentios que aceitassem a Jesus deveriam apenas lembrar que adoração verdadeira não pratica idolatria, o que envolve alimentação e relações sexuais impuras. Na decisão do concílio de Jerusalém, culto, alimentação e sexo estão intimamente relacionados.

A prática
Na prática o que Tiago deixou claro é que os costumes judeus da época não deveriam ser padrão para todos. Porém que deveriam ser mantidos os princípios de culto do Antigo Testamento que envolviam tanto Israelitas como estrangeiros (Levíticos 17-19). Eu me pergunto se como Adventistas temos entendido os princípios gerais de culto divino.

Parece que os cristãos da época de Paulo demoraram para entender tais ideias. No livro de Gálatas e Romanos Paulo continua a debater sobre tais assuntos. E em Atos 18, em sua segunda viagem missionária, após o relato Lucano do concílio de Jerusalém,  encontramos Paulo debatendo novamente esse assunto.
Em Corinto, como era de costume, Paulo começa pregando o evangelho entre seus compatriotas judeus. Na sinagoga, como bom fariseu, ele participava do culto e lia as Escrituras sem problema. Mas ao falar que Jesus era o Cristo, isso lhe trouxe problemas. Muitos judeus não aceitaram tal mensagem de um messias  salvador se tornando homem, crucificado, ressurreto, prestes a vir, doador da vida e liberdade a todos os que Nele cressem.

Tal mensagem era tão radical que os judeus da sinagoga de Corinto não só repeliram Paulo como o perseguiram fora dela na cidade. Eles pegaram Paulo e levaram-no perante o tribunal romano, acusando-o de sedição religiosa. “Este persuade os homens a adorar a Deus por modo contrário a lei.” (At.18:13). Ao refletir sobre esse texto me pergunto, que lei referiam os judeus de Corinto?
Se é a lei romana, tal acusação faria até algum sentido. É sabido que alguns imperadores romanos, a partir de César Augustus, foram considerados deuses e a adoração a tais era obrigatória. Desobediência incluia pena de morte. Esse foi o argumento usado pelos líderes judaicos no ano 31 contra Jesus perante Pilatos. Lembra do que eles disseram, “não temos rei senão César!”  (Jo.19:15). Mas certamente tal argumento iria contra religião e lei judaica.

Se a lei de At.18:13 se refere aos costumes Israelitas, isso pode implicar que Paulo estaria pregando como Estêvão, contra o Santo e a Lei (o templo e os rituais mosaicos). A resposta de Gálio me parece indicar que a segunda opção seja o caso. “Se fosse, com efeito, alguma injustiça ou crime da maior gravidade, ó judeus, de razão seria atender-vos; mas, se é questão de palavra, de nomes e da vossa lei, tratai disso vós mesmos; eu não quero ser juíz dessas coisas!” (v.14,15).
Sendo este o caso, de Paulo seguir a teologia de Pedro e Estêvão do santuário celestial e de mediação de Cristo no céu, note que a mensagem cristã gerou desavença na liturgia e teologia judaica do tempo. A concepção que Deus não se limitava ao templo em Jerusalém, que o Criador havia vivido em carne na pessoa de Jesus, e agora intercede no céu perdoando pecados de qualquer um que crer são radicais.

E nós, Adventistas?
Em 1844, após o desapontamento milerita de 22 de outubro, um grupo de estudantes da Bíblia revisa suas crenças proféticas. Hiram Edson, Samuel Snow, José Bates, Tiago e Ellen G. White, dentre outros, discutem o que aconteceu naquele dia e o que Dn.8:14 tem a ver com salvação, culto e lei. A história se repete.

Agora não fora a profecia de Dn.9 que mudara a teologia do povo de Deus, como nos dias de Paulo. Porém a profecia relacionada de Dn.8:14 trouxe modificações ao remanescente na modernidade. Enquanto o mundo cristão não sabe que Jesus está no santuário celestial intercedendo por nós no santo dos santos, como no ritual da expiação (e ainda rejeitam tal noção), aquele grupo com tal conceito modificou por completo o sistema de culto cristão.
Ao afirmar que há um santuário celestial real, onde Deus habita e Jesus o Cristo intercede por todos os que Nele creem, os adventistas quebram com o paradigma da adoração atual. O culto verdadeiro tem que considerar tais afirmações revolucionárias. A existência de um juízo investigativo, de uma lei eterna, de um dia santo (o sétimo dia do sábado), da volta de Jesus literal em breve, e do cumprimento profético em 1844, modifica completamente a noção de culto cristão hoje.

Mas o que modifica? Tais relações ainda precisam ser elaboradas e seriamente refletidas. Creio que com o modelo do desenvolvimento em Atos temos muito o que aprender. A mudança na teologia sobre Cristo (Cristologia, doutrina de Deus), seguida da missão e soteriologia (mensagem de salvação) repercutiu fortemente na liturgia.
Movimentos como Nova Semente (São Paulo) e Fusion (na Universidade Andrews), assim como envolvimento com budistas e islâmicos na Ásia, têm gerado tensões na compreensão de culto no adventismo. Essa lição da escola sabatina, o chamado para reforma e reavivamento da Conferência Geral  tem tentado diminuir tais tensões. Porém, tenho que concordar com o professor Fernando Canale que a discusão está longe de ser resolvida. A razão é que os membros não se envolvem mais com a missão, e não estudam mais a Palavra de Deus em oração.

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