A lição muda sua atenção do Antigo Testamento
para o Novo. O que acontece com o culto nessa transição? Cristo apararece, e
com Ele, diria o autor de Hebreus, tudo muda. O que outrora era prometido agora
é realizado. O que antes era parcial é completado. Isso não significa substituição,
mas cumprimento. Continuando de onde paramos na semana passada, Daniel 9, agora
entramos no cumprimento do que os profetas esperaram por séculos, a presença da
glória do Senhor.
A presença de Jesus
Após voltarem do cativeiro, os judeus deveriam
ter aprendido a lição que adoração ao Deus verdadeiro envolve mais que ritos em
Jerusalém. Visto que Ele é Senhor dos céus e da terra, Ele não se confina às construções humanas nem às suas vontades. O
Criador do universo habita onde deseja e abençoa a quantos queira.
É fato que Deus escolheu Israel, Jerusalém e o
santuário em Sião. Deus de fato habitou no meio dos louvores de Israel, como
afirma o Salmo. Mas sua “limitação” não era controlada por seres humanos, quero
dizer, não era controlada por vontade humana a fixação do divino em um lugar
físico único. Essa era a religião dos pagãos. Marduque habitava Babilônia;
Dagon, a Fenícia; e Baal, Canaã.
Mas o Deus de Israel ia onde seus filhos
estavam. Ele desceu ao Egito para livrá-los da escravidão. Andou numa nuvem com
eles no deserto da Arábia. Entrou em Canaã com a arca. Encheu com Sua glória o
templo Salomônico. E quando os Israelitas viraram as costas, adorando ídolos,
Deus abandonou o lugar outrora santo. Como prometido pelo próprio Deus em
Deuteronômio, a idolatria faria com que Israel fosse espalhado entre os pagãos.
E foi isso o que ocorreu. O falso culto no
santuário do Deus verdadeiro se tornou habitação de demônios e a glória do
Senhor deixou o templo, mas não Israel. De acordo com Ezequiel, como vimos
semana passada, a glória ferida do SENHOR segue seus filhos até Babilônia. Lá,
Deus se fez presente em cova de leões, em camas de reis (sonho), em fornalhas,
e em casas de cativos (Ezequiel).
Daniel e Ezequiel prometeram o retorno da
glória do Senhor ao templo, trazendo salvação a todo o mundo. Os anos passaram.
Ageu deixou claro que essa glória seria bem maior que a do tempo de Salomão.
Mas nada ocorreu na dedicação do templo no tempo de Esdras. Certamente a glória
do Senhor não viera como o prometido por Isaías, Jeremias, e muito menos
Ezequiel e Daniel.
O que isso tem haver com o culto? Para os
Israelitas e a religião do Antigo Testamento, sem a presença de Deus não há
adoração significativa. Os sacrifícios continuaram, os rituais litúrgicos oferecidos
no altar proseguiram até o ano 70AD, quando finalmente a estrutura do templo em
Jerusalém foi destruída. Mas pouco antes da destruição, o que Gabriel contara a
Daniel se cumpriu. A vinda do Messias muda a dinâmica do culto mais uma vez.
Mudanças já ocorreram na adoração verdadeira
antes. Vimos que entre o Gênesis e o Êxodo o culto se modificou em vários
aspectos, sem ignorar os elementos fundamentais do altar e do sábado. Observamos
também que o culto mudou novamente com o cativeiro em Babilônia. E não é
surpresa que a vinda do Messias mudaria as coisas novamente. Não só era natural
como esperado e anunciado.
Gabriel falara a Daniel que após 69 semanas de
anos (483 anos) o Messias seria morto e na metade da última das 70 semanas Ele
faria cessar o sacrifício e as ofertas. Ao ver Jesus na beira do Jordão, João Batista, o
último dos profetas do Antigo Testamento, afirmou ter visto o Cordeiro de Deus
que tira os pecados do mundo.
O que isso significava? Muito provável que
Jesus era o que faria “cessar a transgressão,
dar fim aos pecados, expiar a iniquidade e trazer justiça eterna.”
(Dn.9:24) Era o ideal do culto Israelita prometido pela profecia. Pois os ritos do santuário e do altar eram
símbolos que ensinavam purificação do pecado e restauração do homem à presença
santa de Deus. A remoção do pecado, e a reintrodução do homem com o divino
ocorreu quando a “Palavra se fez carne e
habitou entre nós”. Jesus perdoa pecados e como Deus, habitou face a face
com as criaturas.
Em Jesus, a glória entra no templo como
prometida por Ageu (Luc.2:27,30,31). Mas novamente a glória do Senhor encontra
apostasia e impureza no santuário (Jo.2:13-16). E assim como no passado, a
glória do Senhor não pode habitar num templo impuro, desobediente. Por fim, a
glória abandona o templo (Mt.23) e este é novamente destruído. A história se
repete. Deus continua sendo o mesmo, e infelizmente os pecadores também.
O que mudou?
Se Deus é o mesmo, isso significa que os
princípios de culto não mudam, correto? Cristo vem para cumprir a lei (Mt.5:17).
Ao conversar com a Samaritana Jesus deixa claro que o verdadeiro culto era
realizado em Jerusalém. A religião de Israel, e os rituais litúrgicos feitos no
templo em Sião eram instituídos por Deus. “Vós
adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação
vem dos judeus” (Jo.4:22).
Note que Jesus relaciona culto com salvação.
Desde o Éden, adoração é sinônimo de vida ou morte. Os que seguem o verdadeiro
Deus recebem vida. As bençãos e maldições na aliança em Deuteronômio, repetida
pelos profetas, demonstram essa mesma dinâmica. Quando Israel se apegava ao
Criador eles eram abençoados. Quando seguiam ídolos eram amaldiçoados.
No Êxodo o culto é atrelado à libertação da
escravidão. Em Daniel 9 também observamos essa característica. O questionamento
de Daniel quanto a restauração do templo, o centro do culto, foi respondido com
a vinda do Messias e a salvação de Israel. Como o Messias é judeu, da linhagem
de Abraão, especificamente de Davi, a
salvação pertencia aos judeus, e com isso, o culto verdadeiro. A razão é óbvia,
o Messias é o próprio Deus.
Ou seja, isso significa que a adoração do altar
feita por Abraão é oferecida ao mesmo Ser que recebe ofertas no Santuário do
tempo de Salomão, de Daniel e agora da samaritana. Isso não significa, no
entanto, que o Criador era manipulado por Jerusalém. Observe que na conversa
entre Jesus e a samaritana ela considera religião como se se limitando às
culturas.
“És tu
porventura, maior do que Jacó, o nosso pai...nossos pais adoravam neste monte;
vós entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar.” (Jo.4:12,20)
Nessa resposta entendo que o conceito de religião e culto estava atrelado
apenas à geografia, consequentemente às limitações humanas. O Deus verdadeiro
era relativo, meu e não seu. Judeus afirmavam adorar a verdade enquanto que os
samaritanos também. Apegados às tradições eles separavam a humanidade e o único
Deus.
Mas Jesus não define religião como limitada às
culturas, como a samaritana, porque o Deus Criador é universal. Perceba que
essa é a mesma característica da religião verdadeira no Gênesis. Ao mesmo tempo Cristo deixa claro que é em
Jerusalém e não em Samaria que o Deus verdadeiro é adorado corretamente. É no
templo da linhagem de Moisés, com os rituais instituídos no Sinai, que
encontra-se o verdadeiro culto. O que essa tensão nos ensina?
“Mas vem
a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito
e em verdade” (v.23). Em espírito. Por meio da lição dos profetas vimos que
não eram as formas apenas que importavam para Deus. Os rituais de pufiricação
do templo ensinavam que o Criador queria purificar o ser humano de seu pecado.
Sacrificar sem amar, ou oferecer libações sem ser purificado pelo Espírito era
sem valor salvífico (Heb.10:4,11; Is.1:1-17).
Continuando os princípios dos profetas, Jesus
deixa claro para a Samaritana que o culto verdadeiro é oferecido com o
espírito. Isso quer dizer, amar e obedecer ao Senhor, seguir a verdade
(Jo.16:13; Rom.8:1-5). Isso poderia ser feito tanto em Jerusalém como em
Samaria ou Babilônia. E com a vinda de Jesus esse princípio se tornaria ainda
mais amplo.
No passado onde Deus se fazia presente, ali as
pessoas adoravam. Santuário significa lugar santo, onde o Santo está. Após o
sonho Jacó adorou em Betel com o altar. No tabernáculo as ofertas eram trazidas
onde a fumaça da glória divina permanecia. Mas com Jesus, a glória de Deus
encarnada, a presença de Deus andou do Mar da Galiléia ao poço de Sicar. Onde
quer que Ele esteja, ali deverá ser oferecida adoração.
Jesus expande o conceito de santuário da estrutura
física em Jerusalém para Si quando entra no templo expulsando os vendedores
pela primeira vez. “Destruí este
santuário e em três dias o reconstruirei.” (Jo.4:19). As pessoas quando
ouviram Suas palavras não entenderam. Porém João, após a ascenção do Messias, explica
que Jesus “se referia ao santuário do seu
corpo” (v.21).
Após a encarnação de Jesus Cristo não poderiam
nem judeus nem samaritanos afirmarem que Deus se limitara a uma geografia
específica. “Deus é espírito”. Podemos
dizer que Jesus muda as regras do jogo? Sim e não. Sim no aspecto de que não
mais precisavam do santuário em Jerusalém pois a glória de Deus se fizera carne
e andava entre eles. Ao mesmo tempo isso não era nenhuma novidade, pois em Ezequiel
11 vimos que Deus se fez santuário para os judeus em Babilônia. A tensão deve
ser mantida.
No entanto, o que muda por completo é que até
santuários em Jerusalém haviam sido construídos e ofertas ali oferecidas. Com a
vinda do Cordeiro de Deus tal ação e local perdera significância salvífica.
Jesus é o Templo e o próprio Sacerdote. Ainda mais com a ascenção o nosso
sacrifício e sumo-sacerdote habita no verdadeiro tabernáculo feito não por mãos
humanas. Refletindo sobre isso, o autor de Hebreus esclarece que, com a vinda
do Messias, as figuras e sombras das coisas celestiais são cumpridas.
Visto que agora Jesus voltou ao único e “verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu e
não o homem”, os ritos que apontavam para o verdadeiro também deixam de ter
seu valor (Heb.7-9). Isso porque Jesus “se
manifestou de uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o
pecado” (9:26), o que era “impossível
que o sangue de touros e de bodes” fizesse (10:4). Desta maneira, com a
vinda de Jesus, o culto verdadeiro ganha dimensões bem mais superiores que o de
outrora realizado.
Jesus remove a limitação do primeiro para
estabelecer o segundo (10:9). Isso quer dizer que a limitação que judeus e samaritanos
antes impunham no culto fora abolida. Com Cristo a barreira é de uma vez por
todas removida. Todos os habitantes da terra teriam acesso à presença de Deus,
ao trono de graça quando desejassem (4:14-16). Isso porque o nosso Sumo
Sacerdote, o próprio Jesus, e a presença de Deus habitam nos lugares celestiais
(8:1).
Mas a resposta de Jesus a samaritana não se
limita apenas à adoração em espírito. “Importa
que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade.” (Jo.4:24). Em
verdade. Não basta possuir boas intenções. A Samaritana possuia boas intenções
ao conversar com Jesus, mas Ele deixa claro que a religião de Jerusalém é que é
a verdadeira.
Em sua resposta Jesus implicava que a mulher
deveria abandonar a tradição samaritana e aprender dos judeus os oráculos
divinos, pois a “salvação vem dos judeus”.
É verdade que no Gênesis as pessoas adoravam em um simples altar, em
qualquer lugar, e Deus aceitava tal culto. E vários altares foram construídos.
Não quer dizer que todos os altares eram aceitos. O de Caim não foi, nem os
construídos por Salomão no monte das Oliveiras para suas esposas, nem o de Baal
erigido no Carmelo.
A “salvação”
e o culto verdadeiro vêm dos
judeus. Dos judeus porque eles receberam a Revelação divina. Os preceitos do
culto aceitos pelo Criador foram ensinados aos descedentes de Abraão. Jesus é o
rebento de Davi, o filho de Israel. É o tabernáculo de Israel em Jerusalém, o
local da habitação divina por séculos.
Muitos cristãos por não entenderem essa
dualidade (espírito e verdade) do culto bíblico-cristão afirmam que a única
coisa que importa é a intenção no culto. Esses advogam que importa adorar em
espírito. Mas se esquecem que o espírito divino é o Espírito da verdade
(Jo.15:26). Ignoram os preceitos da lei e os mandamentos de Jesus. Para tais os
rituais do santuário são sem valor.
Por outro lado, há aqueles que igualam à lei aos ritos litúrgicos. O
resultado é que tais pessoas enfatizam que a adoração verdadeira tem que seguir
a verdade (óbvio). Mas tal grupo também ignora o outro lado ao se isolarem com
apenas um aspecto do culto indicado por Jesus. Esquecem que os ritos têm o
objetivo de transformar o espírito humano por meio do divino, e que nenhum
esforço humano pode trazer tal transformação.
E daí?
“Deus é
espírito e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade.” A
resposta de Jesus a samaritana naquela manhã merece mais de nossa atenção.
Talvez por causa de nossas firmes ideias achamos que sabemos de tudo o que o
culto verdadeiro envolve. Por causa de nossas tradições fechamos nossa mente
para a amplitude que envolvem os conceitos de adoração, inclusos no discurso de
Cristo.
E se explorarmos mais essa dualidade de
espírito e verdade? O que aconteceria com o nosso culto? Abraçaríamos
prostitutas que não fazem parte de nosso grupo, como Jesus fez naquela manhã?
Apresentaríamos o santuário como contendo a verdade, como também fez Cristo?
A riqueza da doutrina do santuário celestial, da
atual mediação de Jesus, do cumprimento das profecias e ritos na Cruz são a
base do Adventismo. Mas suas lições para o culto de hoje ainda não foram
completamente exploradas. Como líderes de igreja e estudiosos da Bíblia devemos
explorar mais a relação entre esses conceitos e a praticidade da liturgia em
nossas congregações.
O que significa a vinda de Cristo na minha
Santa Ceia? E no rito do batismo? E nas letras de música que cantamos? Ao invés
de continuarmos com as nossas manias litúrgicas sem entendermos o porquê delas,
devemos examiná-las e assim, trazer maior significado ao culto. Quando os líderes
locais aplicarem os princípios de Jesus (Jo.4:23,24) à liturgia semanal, a
igreja experimentará o que o autor de Hebreus exprime – algo superior.
Minha oração é a mesma de Paulo, que diz “Ora o Deus da paz, que tornou a trazer os
mortos a Jesus, nosso Senhor, o grande Pastor de ovelhas, pelo sangue da
aliança eterna, vos aperfeiçoe em todo o bem, para cumprirdes a sua vontade,
operande em vós o que é agradável diante dele, por Jesus Cristo, a quem seja
glória para todo o sempre. Amén!” (Heb.13:20,21)
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