Owo! Que
propício essa lição sobre Gálatas. Falar sobre lei, liberdade, culto, ritos,
missão e tensão. Vamos continuar donde deixamos no último comentário sobre
adoração na igreja primitiva. No último texto investiguei a mudança teológica
que a vinda de Jesus trouxe aos judeus-cristãos. E com essa mudança o que foi
modificado no culto, salvação e missão.
Centrais à essas mudanças estão Paulo, Estêvão,
Pedro, Cornélio e o concílio de Jerusalém.
Escrevi anteriormente que:
“na prática o que
Tiago deixou claro é que os costumes judeus da época não deveriam ser padrão
para todos. Mas que deveriam ser mantidas os princípios de culto gerais do
Antigo Testamento que envolve tanto Israelitas como estrangeiros, como
Levíticos 17-19. ...Parece que os cristãos da época de Paulo demoraram para
entender tais ideias. No livro de Gálatas e Romanos Paulo continua a debater
sobre tais assuntos. E em Atos 18, em sua segunda viagem missionária, após o
relato Lucano do concílio de Jerusalém,
encontramos Paulo debatendo novamente esse assunto.”
O que deveria continuar ou não nos rituais do
santuário em relação a vinda de Jesus Cristo? Qual a importância e relevância
da lei ou leis do Pentateuco após o Messias? Sobre essas importantes questões aprenderemos
ainda mais nesse trimestre. Mas, como sempre, nesse tipo de estudo focando em um
livro a lição da escola sabatina começa com uma introdução histórica sobre o
autor.
O papel de Jesus nisso
tudo
Já vimos que a vinda de Jesus mudou os
paradigmas de muitos judeus. É importante entendermos essas mudanças à luz do
livro de Atos, pois é sobre essa mudança que Paulo escreve o livro de Gálatas. Mas
isso veremos nas próximas semanas.
O livro de Atos começa onde o evangelho de
Lucas termina. O último capítulo de Lucas é sobre a ressurreição de Jesus
(v.1-12), o diálogo de Jesus no caminho para Emaús (v.13-35), a aparição aos
apóstolos (v.36-49), e sua ascenção (v.50-53). Que a ressureição ocorrida no
domingo é algo espetacular, fisicamente falando, e dispensa comentários. Mas
relacionado a um Messias morto como um criminoso é ainda mais, teologicamente
falando.
Tanto que como
bons judeus, os dois discípulos que voltaram tristes das festividades pascoais
aos seus lares questionaram a identidade de Jesus. E de acordo com Cleopas, Jerusalém
inteira fazia o mesmo questionamento (v.18). “Ora nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas
depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam.”
“Ele quem
havia de redimir a Israel”. O que eles estavam dizendo? Para cristãos quase 2 milênios
depois, tal pergunta parece ser tão simplória. Por causa de nossa rica tradição
evangélica (dos Evangelhos-Novo Testamento), a salvação pela morte de Jesus é
segunda natureza. Mas para judeus do século 1 não era bem assim. O que envolvia
a redenção e qual a relação com Paulo, Pedro e o livro de Gálatas?
A tradição
judaica contava a seguinte história: há
milhares de anos atrás o Deus Todo-Poderoso resolve criar o universo, e dentre
eles o planeta com animais e seres humanos. Todos teriam vida sem fim se confiassem
em Deus, obedecendo-o. A ordem era clara, não coma da árvore do conhecimento do
bem e do mal. Ouvindo a serpente Eva e seu esposo viraram as costas à ordem
divina e criaram suas próprias realidades.
No final
das contas, eles descobrem não somente que estavão nus, mas também que Deus estava
certo e a serpente errada. Descobrem também que Deus dá uma segunda chance por
meio do sacrifício de uma animal cuja pele os cobre. Mas não somente isso, eles
aprendem que esse sacrifício seria um descedente da mulher, e que guerrearia contra os descedentes da serpente e finalmente
destruiria o pecado (Gn.3:15).
Apesar de
Eva esperar ser Caim o tal descedente, sua esperança foi parcialmente frustrada.
Mas não fora somente Eva que se decepcionou com a esperança dada pelo Criador.
Com poucos detalhes sobre tal salvador, Deus apenas havia informado Eva que
seria um descendente, não o primeiro, nem quando, ou onde. Nos filhos de Noé
Deus afunila sua predição, limitando tal promessa aos filhos de Sem (Gn.10:27). Com
Abraão e Davi mais detalhes são adicionados.
Com Abraão
a salvação da humanidade ganha contornos específicos. Em Gn.12 a salvação do
mundo se torna bem familiar, “em ti serão
benditas todas as famílias da terra.” Pelos filhos de Abraão viria o
descendente esperado. E junto com a salvação uma terra e uma nação. Para
aqueles dois judeus de Emaús ser judeu era fazer parte do único povo divino. Mas
sobre o fim do pecado... anos vão e vem, Jacó, José, Moisés e nada de fim do
pecado, pelo contrário, coisas parecem só piorar.
Com Moisés e
a saída do Egito, os descedentes de Abraão ganham status de povo escolhido de
Deus, uma nação de sacerdotes, povo santo. Mas a promessa é
condicional, como foi no Éden . “Se diligentemente ouvirdes
a minha voz e guardardes a minha aliança, então...” Depender de Deus obedencendo aos Seus
mandamentos, além da escolha soberana divina os tornava meios por quais todas as
famílias da terra seriam abençoadas.
Centenas de
anos passam, coisas ruins acontecem assim como coisas boas, mas nada do
esperado descedente aparecer. Israel decide ter um rei. Por meio do segundo
rei, Davi, Deus revela a Seu povo novamente Sua promessa, com mais detalhes
sobre o tal descendente. Ele será o filho do Rei Davi, e estabelecerá o reino
de Israel para sempre (II Sm.7:8-17).
Certamente a
princípio Salomão criou grandes espectativas na mente dos Israelitas. Como Eva e os dois discípulos a caminho de Emaús tal esperança se tornou rapidamente em
grande decepção. Caim, Salomão e Jesus morreram e a vida contiuava a mesma,
quer dizer, pior porque Deus ainda não cumprira Sua promessa.
Promessa
essa que fora detalhada ainda mais com os profetas. Não afirma Isaías que o
renovo de Davi destruiria os inimigos de Israel?! E que Ele purificaria Jerusalém
de toda imundícia e resplandeceria em glória, reinando para todo o sempre!? Trazendo
de todas as nações da terra o restante de Seu povo para reinar juntamente com
eles (Is.4,11, 65 e 66)?!
Como conciliar tais profecias sobre um reino eterno com um filho de Davi que morreria mas que reinaria para sempre e destruiria todos os inimigos políticos?
Com toda
essa tradição em mente, e com grandes esperanças instigadas pela pregação de
João Batista e os ensinos e milagres do carpinteiro de Nazaré, milhares de
judeus esperavam ser Jesus, o Cristo. Mas esse Jesus, a quem esperavam ser o
que redimiria a Israel, morrera já fazia 3 dias, e os opressores romanos
continuam como antes. Mais uma decepção! Porém note a resposta de Jesus.
“Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram!
Não convinha que Cristo padecesse e entrasse na sua glória?” (Lc.24:25) Qual
foi a parte que Jesus afirmou ser ignorada pelos discípulos? A morte e a glorificação
do Messias. Is.53, junto com a parte da
ferida do calcanhar do descedente, à luz do sacrifício no santuário não entendida.
Essa falta
de entendimento não era de todo estranha, penso. Como conciliar tais profecias
sobre um reino eterno, com um filho de Davi que reinaria para sempre e
destruiria todos os inimigos políticos com alguém que morreria? Essa
conciliação entre santuário, sacrifício e salvação não era bem explicada na
mentalidade judaica aparentemente.
E mesmo
depois da explicação de Jesus aos dois naquele domingo, e em seguida ao
restante dos discípulos em Jerusalém, tal assunto não fora resolvido
completamente. Isso demoraria anos, posso até dizer milênios, se considerarmos
que nem todas as implicações de tal mensagem fora explicada no cristianismo.
Quando Paulo entra nessa história
A tentativa
de resolução desse problema é percebida claramente (mas não somente) na
história de Cornélio e Pedro, e em seguida Paulo com sua viagem missionária e
o Concílio de Jerusalém. Ambas histórias se relacionam com a história de Estévão
de alguma maneira.
Já vimos
que o judeu de origem grega (heleno ou da diáspora), Estêvão, movido pelo
Espírito Santo discutia as Escrituras com judeus em Jerusalém. De acordo com
Lucas alguns entenderam Estêvão como os sacerdotes entenderam Jesus, falando
contra o lugar santo e a sua lei. Contra o santuário e seus ritos. Como não
temos o que Estêvão falou, devemos buscar o que Jesus afirmou sobre o assunto.
Essa conciliação entre santuário, sacrifício e salvação não era bem explicada na mentalidade judaica aparentemente.
Em João 2,
ao remover os comerciantes do pátio do templo, Jesus afirmou que destruiria o
santuário em três dias e o reconstruiria. Sobre essa base o sumo-sacerdote
acusa Jesus e o mata. Mas João explica que Jesus se referia ao Seu corpo. Se
Jesus disse ser Seu corpo o santuário, e João Batista O chamou de Cordeiro de
Deus, podemos deduzir algumas coisas.
Primeiro,
a morte de Jesus destruiria de alguma forma o templo. Segundo Ele era o
cumprimento da promessa do sacrifício de Deus em Gn.3 e que dava significado ao
santuário. Assim, à luz de Is.53, o Cristo daria fim/finalidade aos rituais do
santuário, providenciando salvação a todos por meio de Sua morte vicária. Não eram
esses os elementos que Jesus afirmava faltar nos discípulos de Emaús? Parece que
com Estêvão os cristãos estavam aprendendo tal relação.
Relação
essa que inclui Paulo na história desse entendimento. Pois ele é visto na cena
do debate e crime de Estêvão (At.8:1). E após a sua conversão é relacionado também com
o mesmo grupo de Estêvão, os judeus helenistas (9:29). E é Paulo ,que por meio
de sua perseguição aos cristãos em Jerusalém, espalha-os para pregar o evangelho
(8:1-8). Note que Felipe é o primeiro relato de pregação fora do ciclo de
Jerusalém. E depois temos Paulo em Damasco e Pedro em Jope.
Nesse ponto
a relação entre cristãos-judeus e gentios estavam se estreitando. Não que isso
não ocorria. Era normal um judeu conviver com outras pessoas, falar de sua
religião a elas e até aceitá-las como judeus conversos. Mas tal conversão
incluia, no caso masculino, circuncisão e participação nos ritos do templo. Pois
essa era a marca dos escolhidos filhos de Abraão. Aos que não queriam a
circuncisão, prática abominada pelos romanos, mas que adoravam o Deus de Israel e
participavam do culto na sinagoga, os judeus consideravam tementes a Deus.
Mas na
visão do lençol e no encontro com um temente a Deus essa visão seria desafiada.
Em At.10 Deus deixa claro a Pedro que gentios eram também povo de Deus. E com a
presença do Espírito Santo em Cornélio e sua família, Pedro reconhece que mesmo
sem circuncisão os que creem em Jesus como Cristo (o descendente da promessa) são
aceitos e salvos por Deus.
Ao ouvir
essa e outras histórias de gentios incircuncisos recebendo o Espírito,
judeus-cristãos de Jerusalém (não helenos) intimam Pedro a se explicar (11:1). Ao
contar sua experiência, Pedro iguala a experiência de conversão de tais gentios
com a dos apóstolos em Jerusalém com base no Espírito, e não no rito de cortar parte
da pele do pênis.
“Quando comecei a falar, caiu o Espírito Santo
sobre eles, como também sobre nós, no princípio...Pois se Deus lhes
concedeu o mesmo dom que a nós nos outorgou quando cremos no Senhor
Jesus, quem era eu para que pudesse resistir a Deus?” (v.15,17)
O resultado
é positivamente aceito pela igreja em Jerusalém, mas o livro de Atos e de
Gálatas revelam que a aceitação não foi unânime. Esses da “circuncisão”, alguns
indificados por Lucas como fazendo parte da “seita dos fariseus” (15:5),
outrora grupo de Saulo, levantam a questão novamente, agora com uma aceitação
ainda maior de gentios com a pregação de Paulo.
Note que a
questão é a mesma, ainda não compreendida por toda a igreja. A relação entre
salvação e, na linguagem de Lucas, “o costume de Moisés” (v.1). Qual o papel da lei de Moisés e dos rituais
judaicos ordenados por Deus como símbolo do povo santo com a vinda de Jesus, o
Cristo? O fato é que o concílio de Jerusalém decide que os gentios são aceitos
pela igreja sem o rito da circuncisão, mas
“que vos abstenhais das coisas sacrificadas a
ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações
sexuais ilícitasç destas coisas fareis bem se vos guardardes.” (v.29)
Mas
novamente, como no caso de Pedro e Cornélio, a aceitação estava longe de ser
unânime e resolver o problema de uma vez. Isso porque, o que me parece,
teologicamente a igreja cristã da época
ainda não tinha refletido suficientemente sobre as implicações da vinda,
morte e ascenção de Jesus como Messias.
Comunicação
divina dessa semana: É
isso que Paulo faz em Gálatas, livro de nossa reflexão esse trimestre. O que
aprendi com essa semana é que nem sempre é fácil desvencilhar de nossas
tradições, principalmente se elas estão baseadas de alguma forma na Bíblia.
Mudança na igreja requer tempo, missão e abertura para discussão. Creio que a
Igreja Adventista e o Cristianismo em geral fariam bem se envolvessem mais em
missão e discutissem abertamente as implicações da Pessoa de Cristo na estrutura
da igreja e na salvação de toda a humanidade.