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sábado, 2 de maio de 2020

A formação do cânon - algumas reflexões históricas


Qual era a Bíblia de Jesus?


“Toda escritura é inspirada por Deus...” escreveu Paulo a Timóteo. O fariseu, agora cristão, escreveu uma carta cheia de conselhos ao companheiro mais novo no ministério da pregação do evangelho. Admoestando-o contra o perigo de falsos ensinos, Paulo recomendou Timóteo a permanecer naquilo que havia aprendido pelas “sagradas escrituras.” (v.14-15). Mas que escritos eram esses? Qual era a Bíblia na época de Paulo?

Um livro
Primeiramente, na época de Paulo ou Jesus a Bíblia não incluia o que chamamos de Novo Testamento, pelo motivo óbvio de ainda não ter sido escrito. Como eram Israelitas, devemos entender quais escritos eles consideravam sagrados para responder a pergunta do título sugerido acima.[1]

A palavra bíblia vem do Grego e significa basicamente livros. A Bíblia é um livro, meio óbvio. É importante entender, no entanto, que os livros na antiguidade não eram produzidos como os livros de hoje. Na época de Jesus os materiais mais usados na manufatura de livros na região do Mediterrâneo eram o papiro e o pergaminho.[2] Semelhante ao papel, o papiro advinha de fibras vegetais, enquanto que o pergaminho, de pele de animal. Embora mais caro, o pergaminho era mais maleável e duradouro. Ambos no entanto, possuíam suas limitações técnicas se comparados com os livros de papel hoje. Pela natureza do material, o papiro era bem frágil e o pergaminho era relativamente grosso. Os livros na antiguidade eram relativamente difíceis de serem produzidos e carregados. Os textos nesses meios eram enrolados ou empilhados com costura até certa espessura e preservados em vasos, enrolados em tecido ou no caso de bibliotecas, organizados aparentemente em estantes.[3]

Quando pensamos na Bíblia da época de Jesus como um livro não podemos visualizá-lo com papel bem fino e costurado com uma capa de couro preta. Precisamos imaginar um longo pedaço de couro ou papiro, podendo chegar até cerca de oito metros de cumprimento.[4] Isso porque o pedaço de papiro ou pergaminhos, de cerca de 45cm de cumprimento por 25cm de espesura, eram costurados, quando necessários, para formar um grande livro como o do profeta Isaías. Foi justamente esse tipo de livro que foi dado a Jesus para ser lido na sinagoga de Nazaré. “Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías. Abriu-o e encontrou o lugar onde está escrito” (Lucas 4:17).

Para visualizar como era feita a leitura, basta ir à uma sinagoga e observar como ainda hoje o rolo da Torá é lido pelos Judeus. A natureza do material não permite um manuseio rápido como um virar de página de um livro atual. O que vemos é um devagar desenrolar e enrolar para expor o texto desejado, como um documento de texto num computador. Outra observação relevante é que seria impossível ter todo o conteúdo da coleção que chamamos Bíblia Hebraica (Antigo Testamento) em um único rolo. Quando visualisamos vários rolos dentro de recipientes num chão de uma sinagoga podemos facilmente entender que o acesso ao material que hoje conhecemos como Bíblia era bem diferente. Hoje podemos ler e realizar pesquisas de palavras em milhões de livros eletrônico com um toque, o que no tempo de Jesus não era possível.

A coleção
A maneira como os livros eram produzidos na antiguidade influenciou a maneira como a Bíblia fora formada e compreendida. Como observei acima, sua materialidade impossibilitava uma coleção de livros num único volume como a que possuímos. O que convencionalmente chamamos de Bíblia é uma antologia ou coleção de vários escritos de autoria e períodos diferentes. Alguém teve que juntar tudo isso. Sabemos que no decorrer da história tanto Israelitas como Cristãos preservaram diferentes coleções de escritos sagrados com números diversos de livros.[5] Quando observamos o processo de preservação de escritos na antiguidade, vemos que os reis e sacerdotes eram os principais responsáveis por produzir e colecionar documentos. Os escribas eram, em sua maioria, trabalhadores da corte e sacerdotes.[6]

“Nas relações (arquivos) e nas memórias do tempo de Neemias, contavam-se os mesmos feitos e como também ele formou uma biblioteca, reunindo tudo o que se referia aos reis e aos profetas, os escritos de Davi e as cartas dos reis a respeito das oferendas. Do mesmo modo, Judas reuniu todos os livros espalhados pelas guerras que sobrevieram, e essa coleção se encontra em nosso poder. Por conseguinte, se tendes necessidade de um desses livros enviai-nos mensageiros que vo-los levarão.” (2 Mac 2:13-15)[7]

Em Qumran, no deserto da Judeia, próximo ao Mar Morto, foi encontrado a única biblioteca de livros Israelitas datada da época de Jesus. Uma informação valiosa para a reconstrução histórica do que seria as “sagradas escrituras” dos Israelitas nesse período. Quanto aos livros que compõem a coleção bíblica Massorética-Farisaica, que é a seguida por muitos Protestantes hoje em dia, os Manuscritos do Mar Morto mostram que quase todos eles, com exceção de Ester, já eram considerados sagrados por um grupo de Israelitas. Além desses livros muitos outros documentos também eram considerados sagrados, como o livro de Enoque (citado em Judas 9) e Jubileu. Sabemos disso pois esses escritos são mencionados por documentos de Qumran como a palavra do Senhor. Além disso, é importante mencionar que as cópias de textos “bíblicos” como o do profetas Isaías, não eram identicas. O texto era maleável.

Já a coleção de documentos sagrados preservados pelos Judeus, e posteriormente pelos Cristãos no Egito, a Septuaginta (LXX) também não se limitava aos livros do cânon Farisaico ou Protestante. Temos então evidência de quais documentos eram considerados sagrados pelos Israelitas, como Paulo sugeriu para Timóteo? Não dá para se ter certeza dos detalhes, mas as evidências sugerem uma certa coleção.

A referência mais antiga de coleções de livros sagrados em Israel vem dos Manuscritos do Mar Morto. Num documento datado possivelmente do 3º século AEC, lemos “o livro de Moisés [e] o livro[s dos pro]fetas e Davi.”(4Q397 [MMTa]:14-21.10). Do 2º século AEC, no texto acima de 2 Macabeus 2, o autor menciona documentos coletados por Neemias acerca dos reis, profetas, e "os escritos de Davi e as cartas dos reis" após já haver mencionado, por nome Jeremias, e a Lei (vv.1-2). Se confiável, temos evidência, então, de uma coleção de livros atribuídos a Davi e aos profetas já no 5o século AEC. Como 2 Macabeus, também do 2o século, lemos no prólogo do livro de Sabedoria (Eclesiásticos) de Jesus (Josué), coletado pelo pelo seu neto, o filho de Sira (ben Sirach), sobre a leitura da "lei, dos profetas, e de outros (ou demais) livros de nossos ancestrais." É curioso notar que o autor afirma que a leitura desses livros traria instrução e sabedoria, semelhante ao que Paulo escreveu a Timóteo (2 Tim 3:16-17).

O que podemos certamente inferir dessas referências sobre coleções de livros sagrados anterior a Jesus e Paulo[8] é que a Lei (em Hebraico, Torá) já era idenficada com Moisés e tinha preeminência. Além do Pentateuco (do Grego, cinco rolos), somos informados de uma coleção atribuída a Davi, possivelmente os Salmos, e outra coleção atribuída aos Profetas. Curiosamente, em Eclesiásticos, Davi não é mencionado, e sim, “outros escritos.” É possivel aqui já identificar algo parecido com a divisão de livros na Bíblia na tradição judaica (farisaica): a Lei (Torá), os Profetas (Neviim), e os Escritos (ketubim). Essa é a TaNaKh, um acrôstico com as letras iniciais do título de cada coleção.

Como as referências acimas não especificam quais livros compunham tais coleções, não seria prudente ser categórico quanto aos detalhes, mesmo porque a Septuaginta e a biblioteca de Qumran possuem mais livros do que eventualmente seriam chamados de Bíblia. Mas é importante perceber que, pelo menos, as coleções ou categorias de escritos já eram amplamente formulados antes de Timóteo. E são basicamente essas coleções, a Torá (Moisés), os Profetas e os Salmos (Escritos?), que são mencionados por Jesus na estrada de Emáus (Luc 24:44).

A primeira menção histórica a uma lista de livros, não apenas coleções, é feita pelo historiador Judeu do 1º século Josefo (Contra Ápion 1:38-42). Ali lemos sobre vinte e dois livros que contém toda a história dos Hebreus e são considerados divinos (linha 38). Cinco são atribuídos a Moisés. Josefo continua descrevendo que do período da morte de Moisés até a Pérsia lê-se nos profetas compostos de treze livros, e os demais quatro livros são coleções de hinos e sabedorias. Esse texto é de fundamental importância na história da formação da coleção que chamamos Bíblia, pois testifica da solidez da tradição Israelita em preservar tais escritos. Nele também encontramos a natureza da seleção, documentos sobre a história de Israel, dizeres éticos e textos litúrgicos, sobre a qual elaboro mais abaixo. Mas também aqui não somos informados de todos os detalhes de quais livros compunham a lista dos Profetas e demais livros.[9]

Pelo menos temos em Josefo um número aproximado com que trabalhar nossas especulações. Digo aproximado porque em 4 Esdras 14:44-46, texto também do 1º século, somos informados de vinte quatro livros que deveriam ser lidos pelos Israelitas e de outros setenta livros que apenas os mais doutos deveriam ler. Na tradição Massorética-Farisaica, da qual herdamos a Bíblia Hebraica ou Antigo Testamento, são vinte e quatro livros, enquanto que na coleção mínima dos Protestantes são trinta e nove, embora os documentos sejam os mesmos. A diferença se dá pela maneira de organizá-los. Por exemplo, todos os Profetas Menores na tradição Israelita são identificados como um único livro, assim como os volumes duplos de Samuel, Reis e Crônicas são considerados um livro cada. As listas formuladas pelos Cristãos até o 5º século, feitas em contato com Judeus na terra de Israel, também são aproximadamente esse número (entre vinte dois e vinte e quatro).

As diversas coleções com sequências diferentes (ver tabela) demonstram a natureza maleável da organização desses livros.[10] Tendo em vista como livros eram manufaturados dá para entender a razão. O que enfatizo aqui é que, apesar de uma certa coletânea estável de livros sagrados, Judeus e Cristãos entre os séculos 2 e 5 ainda manipulavam sua ordem, principalmente a dos Profetas e dos Escritos, além do debate se um ou outro livro, como Ester, deveria fazer parte (Mishna m. Yadayim 3:5).[11] Isso possivelmente se deu por causa do desenvolvimento litúrgico em várias regiões.

O papel da liturgia no Cânon
A passagem de Josefo acima mencionada (Contra Ápion 1:38-42) mostra a natureza da seleção dos escritos sagrados. A Torá tem papel preponderante. A história Israelita e os oráculos proféticos serviam, então, de comentários a Lei, expandindo sua mensagem. E enfim, textos com prece, louvor e sabedoria completavam a coleção. Nesse processo de formação física das “sagradas escrituras” temos, por certo, que os vinte e quatro livros da tradição Massorética-Farisaica eram aceitos pela maioria dos Judeus, o que seria possível também a coleção referida por Jesus. Textos da leitura na sinagoga encontrados no Novo Testamento confirmam tais observações. Sobre a preeminência da Torá, lemos em Atos 15:21 que Moisés é lido na sinagoga todos os sábados. Nenhuma outra coleção é mencionada. Junto a isso temos a tradição de que os Saduceus e os Samaritanos se atinham apenas à Torá.[12]

A maioria dos Judeus, no entanto, além da leitura da Torá, suplementavam com a leitura dos Profetas. Lemos sobre essa prática tanto na terra de Israel (e.g., Nazaré em Luc 4:16-20) como também fora dela na Diáspora (e.g., Atos 13:14-15). A leitura da Torá (Lei) era algo estabelecido na religiosidade Israelita (e.g., Deut 31:9-11; Ne 8:18; 2 Reis 23:1-3), e parece que algo como um comentário dos demais escritos seguia a leitura da Torá já na época de Neemias (9:14, 26, cf. Atos 13:14-15). O comentário tinha o intuito de explicar a Torá, a palavra de Deus por excelência. Parece razoável inferir que, com o passar do tempo, demais escritos usados como comentários à Lei foram considerados também divinos. Esses comentários davam legitimidade e clareza aos dizeres antigos do Senhor Deus de Israel (cf. Prólogo de ben Sirach).

Conclusão
Quais então eram as “sagradas escrituras” que Paulo recomendou à Timóteo? Pela história acima e as citações encontradas em nos escritos do que se tornou Novo Testamento,[13] podemos inferir que pelo menos a coleção do Pentateuco, alguns profetas e Salmos era o que Paulo tinha em mente. Mas não devemos pensar em livros com textos fixos e uma coleção determinada de títulos chamado Bíblia. Ao contrário de muitos Cristãos e Judeus que a partir da Idade Média idealizavam a Bíblia como um livro com um texto imutável, a palavra de Deus para os Israelitas da época de Jesus era mais maleável.[14] O que mais importava não era um texto fixo, e sim, um grupo de escritos que trazia uma reflexão sobre a maneira que Deus havia guiado o Seus povo e dava certa direção e propósito quanto ao futuro.

TABELA 1: Lista de livros da Bíblia entre os II-V séculos

Melito of Sardis (Eusébio Cesareia, História Eclesiástica 4.26) II/IV EC
Lista de Bryennios
II/XI EC

Orígenes
III EC

Jerônimo V EC
Gênesis
Êxodo
Números
Levítico
Deuteronômio
Josué
Juízes
Rute
4 Reinos (Samuel and Reis)
Crônicas
Salmos
Provérbios/ Sabedoria
Eclesiastes
Cantares
Isaías
Jeremias 
Os Doze (Profetas Menores)
Daniel
Ezequiel
Esdras

Gênesis
Êxodo
Levítico
Josué
Deuteronômio
Números
Rute
Juízes
Salmos
4 Reinos (Samuel and Reis)
Crônicas
Provérbios
Eclesiastes
Cantares
Jeremias 
Os Doze (Profetas Menores)
Isaías
Ezequiel
Daniel
Esdras
Ester

Gênesis
Êxodo
Levítico
Números
Deuteronômio
Josué
Juízes-Rute
4 Reinos (Samuel and Reis)
Crônicas
1-2 Esdras (Esdras-Neemias)
Salmos
Provérbios
Eclesiastes
Cantares
Isaías
Jeremias  –Lamentações – Carta de Jeremias
Daniel
Ezequiel
Ester
Macabeus
*Os Doze (Profetas Menores?)

Gênesis
Êxodo
Levítico
Números
Deuteronômio
Josué
Juízes
Rute
4 Reinos (Samuel and Reis)
Isaías
Jeremias 
Ezequiel
Os Doze (Profetas Menores)
Salmos
Provérbios
Eclesiastes
Cantares
Daniel
Crônicas
Esdras (Esdras e Neemias)
Ester


TABELA 2: Lista de livros da Bíblia na tradição Judaica

Torá
Neviim (Profetas)
Ketuvim (Escritos) *Bíblia Hebraica Stuttgartensia
Gênesis
Êxodo
Números
Levítico
Deuteronômio

Josué
Juízes
Rute
Samuel (1 e 2)
Reis (1 e 2)
Isaías
Jeremias 
Ezequiel

Jeremias 
Ezequiel
Isaías (Talmude Babilônico, Baba Bathra)

Os Doze (Profetas Menores)
Salmos
Provérbios
Rute
Cantares
Eclesiastes
Lamentações
Ester
Daniel
Esdras-Neemias
Crônicas (1 e 2)


TABELA 3: Lista de livros da Bíblia na tradição Judaica, diferentes sequências dos Ketuvim (Escritos)

Ketuvim (Escritos)
Septuaginta (LXX)
Talmude Babilônico, Baba Bathra
Megillot (5 rolos)
Salmos
Provérbios
Eclesiastes
Cantares
Rute
Salmos
Provérbios
Eclesiastes
Cantares
Lamentações
Daniel
Ester
Esdras-Neemias
Crônicas (1 e 2)

Rute
Cantares
Eclesiastes
Lamentações
Ester
(Bíblia, Jewish Publication Society, 1917)

Cantares
Rute
Lamentações
Eclesiastes
Ester
(Bíblia, Jewish Publication Society, 1985)





[1] Para um resumo sobre o cânon bíblico numa perspectiva Adventista ver Gerald Klingbeil, “O Texto e o Cânon das Escrituras,” pp. 91-110 em Compreendendo as Escrituras: Uma Abordagem Adventista, ed. George W. Reid (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2007). Embora informado, o objetivo de Klingbeil é mais amplo que o meu objetivo aqui nesse artigo, ele resume os passos históricos na formação de toda a Bíblia incluindo o Novo Testamento. Ele não se demora nos detalhes da formação da Bíblia Hebraica (Antigo Testamento), além de assumir uma posição questionável sobre a relação entre cânon e escritos sagrados no tempo de Jesus. Para uma avaliação mais coerente historicamente ver Timothy H. Lim, “Authoritative Scriptures and the Dead Sea Scrolls,” pp.303-322 em The Oxford Handbook of the Dead Sea Scrolls, ed. John J. Collins e Timothy H. Lim (New York, NY: Oxford University Press, 2010); Molly M. Zahn, “Rewritten Scriptures,” pp.323-336 em ibid.

[2]  Se tomado o exemplo dos Manuscritos do Mar Morto, dependendo de com realiza-se o cálculo, cerca de 90% do manuscritos estão em pergaminhos. Para um estudo recente avaliando os Manuscritos do Mar Morto na perspectiva da produção literária do antigo Oriente ver Sidnie W. Crawford, Scribes and Scrolls at Qumran (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2019).

[3] Crawford, Scribes and Scrolls, cap. 2; Larry W. Hurtado e Chris Keith, “Writing and Book Production in the Hellenistic and Roman Period,” pp.63-80 em The New Cambridge History of the Bible: From the Beginnings to 600, ed. James Carleton Paget e Joaquim Schaper (New York, NY: Cambridge University Press, 2013).

[4] Como o rolo do Templo (11Q19).

[5] Para a lista de livros em diversos cânones bíblicos no Cristianismo ver

[6] Crawford, Scribes and Scrolls, cap. 2 e 3; William M. Schniedewind, “Writing and Book Production in the Ancient Near East,” pp. 46-62 em The New Cambridge History of the Bible. Por exemplo, Baruque como escribe do profeta Jeremias, e Esdras, um sacerdote escriba.


[8] Poderia ter adicionado a passagem de Isa 8:16 e 20 que menciona o ensino do profeta baseado no testemunho (teudah) a na instrução (torah). É possível que a torah aqui já poderia ser a coleção dos cinco atribuídas a Moisés. Quanto aos testemunhos é incerto.

[9] Perceba a semelhança com a nomenclatura usada por Eclesiásticos: Torá, Profetas, e demais livros.

[10] Para uma recente discussão do cânon da Bíblia Hebraica ver Timothy H. Lim, The Formation of the Biblical Canon, The Anchor Yale Bible Reference Library (New Haven, CN: Yale, 2013). para um resumo e implicações ver cap. 10. O mais completo estudo sobre o cânon é o de Lee Martin McDonald, The Formation of the Biblical Canon, 2 vols. (Edinburgh: T&T Clark, 2017).

[11] Curiosamente é conhecido a ausência de Ester nos Manuscritos do Mar Morto e no Novo Testamento.

[12] Sobre os Saduceus ver Josefo, Antiguidades 13:297-298, e para os Samaritanos ver Gary N. Knoppers, Jews and Samaritans: The Origins and History of Their Early History (New York, NY: Oxford University Press, 2013), 178-194. Em geral sobre a leitura de textos sagrados na liturgia da sinagoga e sua influência na formação do cânon ver Charles Perrot, “The Reading of the Bible in the Ancient Synagogue,” pp.136-159 em Mikra: Text, Translation, Reading & Interpretation of the Hebrew Bible in Ancient Judaism & Early Christianity, ed. Martin Jan Mulder (Peabody, MA: Hendrikson, 2004).

[13] Ver Gregory K. Beale e D. A. Carson,  Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento (São Paulo, SP: Vida Nova, 2014).

[14] James L. Kugel, “The Emergence of Biblical Interpretation in Antiquity,” pp. 25-45 em Interpreting Scriptures in Judaism, Christianity and Islam: Overlapping Inquiries, ed. Mordechai Z. Cohen e Adel Berlin (Cambridge: Cambridge University Press, 2016).


2 comentários:

  1. Considero de suma importância conhecer e refletir sobre qual era a Bíblia de Jesus, dos discípulos e dos primeiros cristãos, máxime quando atualmente existem muitos cristãos que desconsideram totalmente o Antigo Testamento. Naquela época o NT não tinha sido escrito , portanto quando se referiam às Escrituras Sagradas, se referiam ao Antigo Testamento. Há certos aspectos gerais da época de Jesus a este respeito que o Sr. Rodrigo Galiza pondera. Naquela época não existia papel nem imprensa, portanto devemos conhecer os materiais usados na época: papiro e pergaminho que era mais duradouro e caro. Os pergaminhos eram costurados para se transformar num livro, e quando estes eram grandes como o de Isaías podiam medir até 8 metros de cumprimento. Sua forma era de rolos que para ser lidos tinham que ser desenrolados e enrolados até achar o texto desejado. Estes rolos eram preservados em vasos e enrolados em tecidos. A preservação era fundamental e estava a cargo dos reis e sacerdotes. Existiram ao longo da história do povo de Israel diferentes coleções como a Massorética-Farisaica que é atualmente seguida por mitos protestantes e a maioria dos judeus, e a de Qumran onde foi encontrada a única biblioteca de livros sagrados da época de Jesus. O historiador Josefo do seculo I d.C. foi o primeiro em mencionar uma lista de 22 livros e não uma coleção onde é narrada toda a história dos Hebreus e os livros que eram considerados divinos. O aspecto mais notável que o Sr. Galiza menciona é que estas diversas coleções demonstram a natureza maleável da organização dos livros e dos textos, já que as cópias também eram diferentes. Segundo o Sr. Galiza nos explica, a causa da natureza maleável dos textos seria o papel da liturgia no cânon. Os livros eram divididos da seguinte forma: a) Torá (Lei) - o principal que era lido todos os sábados na sinagoga, b) história e oráculos proféticos que serviam como comentários à Torá e c) textos com prezes, louvor e sabedoria que completavam a coleção. Ele conclui que as Sagradas Escrituras que Paulo recomenda a Timóteo eram: a) o Pentateuco, b) alguns Profetas e c) os Salmos, sem podermos precisar quais livros estariam considerados.
    O Sr. Galiza conclui que "na época de Jesus, o texto dos livros era maleável e o que mais importava não era um texto fixo mas a reflexão sobre a maneira como Deus tinha guiado Seu povo e como dava certa direção e propósito quanto ao futuro" Mas, o que mais me impactou dos comentários do Sr. Galiza, é que ele conclui que "depois da Idade Média muitos judeus e cristãos idealizavam à Bíblia como um texto imutável". Referindo-me aos cristãos após a Idade Média que eu me considero uma delas, não concordo com o Sr. Galiza que a Bíblia é "idealizada" como um texto imutável, pois considero as seguintes passagens bíblicas claramente explícitas sobre o assunto: Apocalipse 22:18-19, onde Jesus em Sua revelação claramente diz que todo aquele que acrescentar alguma coisa ou tirar quaisquer palavras do livro, Ele fará vir as pragas descritas no livro e tirará a sua parte da árvore de vida e da Cidade Santa, e 2) Mateus 5:17-18 ".... até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tudo seja cumprido" Acredito pois, que os 66 livros da Bíblia são imutáveis e fixos e que nenhum ser humano tem a autoridade para modificar ou alterá-los.

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    1. grato pelo resumo e comentário.
      Sobre sua última colocação o que tens em mente por imutabilidade? Pois dependendo de como é definido o termo, o processo de formação da Bíblia e sua função também será distinto.

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