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quinta-feira, 13 de maio de 2021

CONTEXTO JUDAICO DO APOCALIPSE

 Em breve estarei lançando um curso online sobre o contexto literário e histórico Judaico do livro do Apocalipse. Se tiver interesse por favor entre em contato com rodrigog@eteachergroup.com

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segunda-feira, 5 de abril de 2021

Pandemia, lições da crise de 1918

Introdução - Pandemias

Parece que vivemos em tempos sem precedentes, da pior pandemia já vivida. Alguns de nós podem até lembrar de outras epidemias como a de HIV na década de 1980, da gripe aviária (SARS) em 1997-1998 e 2003, da gripe suína (H1N1) de 2009 e do Zika em 2015. Mas elas certamente não afetaram a vida de tantas pessoas como esse coronavírus (Covid-19). Uma outra pandemia no entanto, não tão distante, pode nos ajudar a enfrentar esse momento difícil com a esperança de que há maneiras seguras de navegar esse tempestade.

A pandemia de 1917-1919, ou gripe espanhola como ficou conhecida, matou mais de 50 milhões de pessoas e afetou a vida de praticamente o mundo inteiro.[1]  A vida da Igreja Adventista também foi afetada pelo vírus, que não encontra barreira em afiliação religiosa, étnica, ou nacionalidade. Aqui faço uma reflexão histórica sobre como a Igreja Adventista reagiu em meio a uma das maiores crises humanitárias da história, que elevou a miséria gerada pela primeira guerra mundial.

Impacto nas Igrejas

Augusta Blosser, membro da Igreja Adventista na região dos Grandes Lagos nos Estados Unidos escreveu que várias escolas e igrejas foram fechadas por períodos de até dois meses.[2]  As quarentenas, que com o Covid-19 ficamos tão acostumados e cansados de praticar, também foram implementadas em vários lugares durante a pandemia de 1917.

No auge da pandemia nos Estados Unidos, no outono de 1918, dezenas de milhares de pessoas morreram. No final de Outubro daquele ano, um obreiro da associação do leste da Pensilvânia escreveu, “A epidemia de gripe nos atingiu com uma violência antes desconhecida em nossa terra... Podemos verdadeiramente dizer: ‘A morte subiu pelas nossas janelas e entrou nos nossos palácios, para separar as crianças de fora e os jovens das ruas’ (Jer. 9:21). Não tem havido tempo para os médicos sábios se vangloriarem de sua sabedoria, ou para os ricos se vangloriarem de suas riquezas, pois a morte tem levado muitos de ambas as classes. O Departamento de Saúde foi confrontado com uma condição extremamente crítica, as placas instrutivas e pacificadoras em carros de rua e prédios públicos falam do medo e da ansiedade das pessoas. ‘Ouvimos vozes de tremor e medo, e não de paz’ (Jer. 30:5).”[3]

O presidente da Associação da Virgínia Ocidental, T. B. Westbrook, escreveu na primeira página do periódico da igreja local, “Se houve um tempo da história do mundo quando precisássemos de oferecer incenso à Deus por ajuda (oração), é agora. Todas as igrejas estão fechadas, e algumas linhas de trabalho estão paradas. A praga... se elastra por todo lado e há muitos cadáveres em todo lugar.”[4]

No mesmo periódico da União de Colúmbia, num relato da Associação da Virgínia do Oeste lemos, “No momento desse escrito, a gripe ainda se alastra na Virgínia Ocidental. Todas as nossas igrejas estão fechadas. Dois de nossos membros morreram da doença e não há nenhum sinal de que a quarentena foi suspensa.”[5] Dos membros que morreram nessa União está a irmã Rudolph que no sei leito de morte pede que seus quatro filhos sejam cuidados por Adventistas.[6]  E uma semana depois o mesmo periódico fala de Florence Grace Steinbaugh Hall que “apenas um dia antes de seu vigésimo sétimo aniversário de casamento, foi acometida pela Gripe Espanhola e, apesar de toda assistência médica, a doença tomou aquele rumo prevalente e fatal, evoluindo para pneumonia composta, e o fim veio pacificamente após uma doença de doze dias. A Sra. Hall era um membro fiel (…) tendo sido batizada na infância…”[7]  Em 6 de Maio de 1920 encontramos a triste notícia da morte de Paul Baltimore, de apenas dois anos.[8]

Durante a pandemia o dr. W. A. Ruble, secretário do Departamento de Saúde da Conferência Geral da Igreja Adventista, escreveu, “relatos horríveis são dados em cada mão de cemitérios espalhados com caixões ocupados aguardando escavadores para enterrá-los; funerárias com dezenas de corpos esperando caixões; necrotérios com suas capacidade cheias, e edifícios adicionais e até tendas requisitadas por causa do transbordamento. Entre os vivos muitos estão morrendo sem atendimento médico ou de enfermeiras. A carência de médicos e enfermeiras ocasionada pela guerra [1ª Guerra Mundial], tornou impossível suprir um serviço adequado aos necessitados.”[9] Cenas que nos lembra episódios na Itália e em certos hospitais em Nova Iorque no início da pandemia atual do Covid-19.

 Resposta da Igreja

Os líderes da denominação tomaram as devidas providências ao acolher as recomendações da comunidade científica. “A situação atual da doença é reconhecidamente séria, e as maiores autoridades médicas pedem que todos sigam cuidadosamente as recomendações de prevenção. Não tenham medo. Simplesmente cuidem bem de si mesmo, e ajudem outros a se protegerem.”[10]

O cuidado ao próximo era uma das maiores preocupações do diretor de saúde da Igreja Adventista. Em meio a tragédia, W. A. Ruble, como um dos líderes da Igreja Adventista, motiva os membros a servir os necessitados aproveitando a oportunidade de uma calamidade humanitária para difulsão do Evangelho do amor. Em um de seus artigos na Revista Adventista em Outubro de 1918 ele questiona retoricamente, “Após a Influenza, o que?” Nele, Ruble não passa tempo lamentando a tragédia, mas convocando os leitores ao serviço. Ainda em meio a pandemia, ele olha para trás, para os meses que se passaram desde o início da transmissão e lamenta, “Todo Adventista do Sétimo Dia teve dez vezes mais oportunidades de serviço que o ocuparia se estivesse pronto para recebê-las. Que chance de empenho missionário e de praticar aquela religião pura e imaculada de que fala Tiago! ”[11]

Ruble contina seu texto elaborando sobre seu desejo de ver membros da Igreja Adventista engajados no auxílio dos afetados pela pandemia, principalmente na área médica. Ele ver na crise uma oportunidade para quebrar barreiras entre pessoas de diferentes cor, raça, classe, profissão e religião, já que as pessoas simplesmente precisavam de ajuda, de onde quer que ela viesse. “Não importa se o ajudante é branco ou negro, Cristão ou pagão, rico ou pobre.”[12]  O editor da Revista Adventista, Francis M. Wilcox, ecoa o desejo de Ruble, “[já é] tempo que eles [os membros] se tornem inteligentes no emprego dos remédios naturais e no sistema de tratamento que a denominação já conhece por anos.”[13]

No locais onde o tratamento natural foi implementado eles foram bem sucedidos. Além de seguir as recomendações médicas, muitos Adventistas foram além da prática médica do seu tempo e usaram os conselhos de saúde propagados por Ellen G. White e John H. Kellogg no tratamento de doenças, como a fomentação, hidroterapia, exercício ao ar puro, e dieta vegetariana. O sucesso desses tratamentos simples foram notáveis. Na escola Adventista em Hutchinson, no estado de Minnesota, quando noventa dos cento e vinte alunos internos apresentaram sintomas (possivelmente foram infectados), dr. H. E. Larson e uma enfermeira da escola implementaram hidroterapia e outras medidas resultando na cura de todos. A ausência de fatalidades chamou atenção dos jornais locais que reportaram o incidente.[14] 

O sucesso da hidroterapia e outros métodos naturais também foram noticiados em outros centros educacionais Adventistas, como no Southern Missionary College (atualmente Southern Adventist University) e South Lancaster Academy. Lemos um resumo desses resultados na Revista Adventista de Dezembro de 1918.

“A doença conhecida como gripe Espanhola começou sua devastação na América [do Norte ou Estados Unidos] nessa parte do país. Apareceu de forma virulenta em Clinton, uma cidade vizinha, e em partes de Lancaster...uma família inteira de seis morreu. Médicos e enfermeiras sucumbiram, e em alguns casos os mortos ficaram sem atendimento porque os coveiros, trabalhand dia e noite, não podiam acompanhar a demanda. Embora a maioria dos casos [nas escolas Adventistas] fosse de tipo leve, alguns eram muito graves e se tratados pelos métodos ordinários, sem dúvida teriam resultado em fatalidades. Mas a fomentação,... aplicados pelos alunos sob a direção de um de nossos próprios médicos, fizeram maravilhas na recuperação rápida de nossos casos mais difíceis. Os médicos que perdiam seus pacientes dia após dia ficavam maravilhados com o fato de que em nossos dormitórios grandes e lotados, praticamente sem enfermeiras profissionais, não tivemos fatalidades. Nós atribuímos isso a Deus, o fato de colocarmos em prática os métodos de tratar os enfermos que há anos fazem parte de nossa crença denominacional. Não apenas somos gratos pela recuperação de nossos doentes, mas também acreditamos que a experiência pela qual passamos como escola aprofundou nossa fé nesses princípios dados por Deus.”[15]

No estado da Geórgia, Curtis Wood, em seus vinte anos, foi enviado para sua casa gravemente doente enquanto servia na base militar. Curtis que morava em frente ao hospital Adventista, foi tratado com hidroterapia e sobreviveu. Curtis viveu até os 94 anos. Sua filha atualmente com 95 anos de idade, acredita que seu pai foi salvo pelo tratamento natural dos Adventistas.[16]

W. A. Ruble reporta que dos dez hospitais Adventistas que usaram hidroterapia e outros tratamentos em pacientes infectados pelo vírus da gripe Espanhola, apenas 2,8% dos pacientes admitidos morreram. Em comparação, dados gerais nos EUA apontados por Ruble indicavam uma taxa de fatalidade entre 13-40%, dependendo da região.[17] A taxa inferior de mortalidade em pacientes de hospitais Adventistas apontam para eficâcia do sistema de tratamento ali aplicado.[18] Os tratamentos no entanto não eram vistos como uma prática miraculosa sempre eficaz. “Nossa posição, de nenhuma forma, é que a obediência a esses princípios aseguram imunidade contra a doença ou a morte.” É necessário uma fé inteligente e precavida, afirma F. M. Wilcox.[19] 

Além de usar tratamentos naturais, em algumas regiões os Adventistas também trabalharam em parceria com instituições de ajuda humanitária como a Cruz Vermelha afim de atender as necessidades básicas dos afetados pela pandemia.[20] 

Reflexão final

Em meio a atual pandemia, podemos também, como os Adventistas do passado, nos engajar na ajuda dos afetados pelo Covid-19. Devemos nos educar nos princípios de saúde ensinados pela Igreja, como a hidroterapia, o exercício físico, a exposição ao sol, além de outras medidas. Devemos usar nossas habilidades, dinheiro e tempo para ajudar os que precisam de ajuda. Seja fazendo compras para um idoso, evitando com que pessoas de risco se exponha, ou ligando para amigos mostrando que nos importamos com seu bem-estar nesse período de isolamento social.

W. A. Ruble anos atrás perguntou se a Igreja aproveitou o momento da crise para espalhar o amor de Jesus. Espero que ao olharmos para trás, não sintamos o remorso de saber que poderíamos ter ajudados mais.


[1] John M. Barry, The Great Influenza: The Story of the Deadliest Pandemic in History (New York, NY: Penguin Book, 2018)

[2] “News Notes,” Lake Union Herald, 18 de Dezembro, 1918, p.6.

[3] Louis C. Kleuser, Columbia Union Visitor, 31 de Outubro, 1918, p.4-5

[4] Columbia Union Visitor, 7 de Novembro, 1918, p.1

[5] Columbia Union Visitor, 31de Outubro, 1918, p.5

[6] Ibid.

[7] Ibid., 7 de Novembro, 1918, p.4.

[8] H. A. Rossin, “Obtuaries,”  Columbia Union Visitor, 6 de Maio, 1920, p.5.

[9] W.A. Ruble, “After Influenza, What?” Adventist Review and Sabbath Herald, 31 de Outubro, 1918, p.18.

[10] L. A. Hansen, "An Influenza Precaution," Adventist Review and Sabbath Herald, 16 de Janeiro, 1919, p.30

[11] Ibid.

[12] Ibid.

[13] Francis M. Wilcox, "The Dangers of the Last Days," Adventist Review and Sabbath Herald, 30 de Janeiro, 1919, p.7; ver também W. A. Ruble, "What are You Going to Do About It?", Adventist Review and Sabbath Herald, 30 de Janeiro, 1919, p.2.

[14] “Complimentary to the Danish-Norwegian Seminary,” Advent Review and Sabbath Herald, 9 de Janeiro, 1918, p. 32.

[15] M. Ellsworth Olsen, “Quando Caminhamos na Luz,” Adventist Review and Sabbath Herald, 26 de Dezembro, 1918, p.29.

[16] Como reportado por Zeno L. Charles-Marcel e Elise Harboldt, “Concerned About Covid-19? Hydrotherapy May Play a Role!,” Adventist World, Publicado 17 de Abril, 2020 (https://www.adventistworld.org/concerned-hydrotherapy-may-play-a-role/)

[17] W. A. Ruble, Section As We See It, "Influenza and its Deadly Work," e "Sanitarium Treatment of Influenza," Life & Health, Maio 1919, p.114-115

[18] Para mais informações sobre os tratamentos naturais Adventistas e a comprovação científica delas ver Zeno L. Charles-Marcel e Elise Harboldt, “Concerned About Covid-19? Hydrotherapy May Play a Role!,” Adventist World, Publicado 17 de Abril, 2020 (https://www.adventistworld.org/concerned-hydrotherapy-may-play-a-role/). Para mais informações sobre o Covid-19, a importância de vitamina D, e um estilo de vida saudável, ver os vídeos explicativos do médico e professor do hospital Adventista de Loma Linda na Califórnia,  Roger Seheult, https://www.youtube.com/watch?v=ha2mLz-Xdpg&t=2421s

[19] F. M. Wilcox, "The Danger of the Last Days," Adventist Review and Sabbath Herald, 30 Janeiro, 1919, p.7.

[20] Lora E. Clement, "Fighting the 'Flu': The Heroic Work of the Red Cross," Adventist Review and Sabbath Herald, 23 de Janeiro, 1919, p.17-18, Para outros relatos além dos aqui mencionados ver, 23 de Janeiro, 1919, p.17-18. Para outros relatos além dos aqui mencionados ver Michael W. Campbell, "Adventists and the 1918 Influenza Pandemic," Adventist World (https://www.adventistworld.org/adventists-and-the-1918-influenza-pandemic/; http://www.columbiaunion.org/content/how-visitor-reported-1918-1920-pandemic)

 

 


sábado, 2 de maio de 2020

A formação do cânon - algumas reflexões históricas


Qual era a Bíblia de Jesus?


“Toda escritura é inspirada por Deus...” escreveu Paulo a Timóteo. O fariseu, agora cristão, escreveu uma carta cheia de conselhos ao companheiro mais novo no ministério da pregação do evangelho. Admoestando-o contra o perigo de falsos ensinos, Paulo recomendou Timóteo a permanecer naquilo que havia aprendido pelas “sagradas escrituras.” (v.14-15). Mas que escritos eram esses? Qual era a Bíblia na época de Paulo?

Um livro
Primeiramente, na época de Paulo ou Jesus a Bíblia não incluia o que chamamos de Novo Testamento, pelo motivo óbvio de ainda não ter sido escrito. Como eram Israelitas, devemos entender quais escritos eles consideravam sagrados para responder a pergunta do título sugerido acima.[1]

A palavra bíblia vem do Grego e significa basicamente livros. A Bíblia é um livro, meio óbvio. É importante entender, no entanto, que os livros na antiguidade não eram produzidos como os livros de hoje. Na época de Jesus os materiais mais usados na manufatura de livros na região do Mediterrâneo eram o papiro e o pergaminho.[2] Semelhante ao papel, o papiro advinha de fibras vegetais, enquanto que o pergaminho, de pele de animal. Embora mais caro, o pergaminho era mais maleável e duradouro. Ambos no entanto, possuíam suas limitações técnicas se comparados com os livros de papel hoje. Pela natureza do material, o papiro era bem frágil e o pergaminho era relativamente grosso. Os livros na antiguidade eram relativamente difíceis de serem produzidos e carregados. Os textos nesses meios eram enrolados ou empilhados com costura até certa espessura e preservados em vasos, enrolados em tecido ou no caso de bibliotecas, organizados aparentemente em estantes.[3]

Quando pensamos na Bíblia da época de Jesus como um livro não podemos visualizá-lo com papel bem fino e costurado com uma capa de couro preta. Precisamos imaginar um longo pedaço de couro ou papiro, podendo chegar até cerca de oito metros de cumprimento.[4] Isso porque o pedaço de papiro ou pergaminhos, de cerca de 45cm de cumprimento por 25cm de espesura, eram costurados, quando necessários, para formar um grande livro como o do profeta Isaías. Foi justamente esse tipo de livro que foi dado a Jesus para ser lido na sinagoga de Nazaré. “Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías. Abriu-o e encontrou o lugar onde está escrito” (Lucas 4:17).

Para visualizar como era feita a leitura, basta ir à uma sinagoga e observar como ainda hoje o rolo da Torá é lido pelos Judeus. A natureza do material não permite um manuseio rápido como um virar de página de um livro atual. O que vemos é um devagar desenrolar e enrolar para expor o texto desejado, como um documento de texto num computador. Outra observação relevante é que seria impossível ter todo o conteúdo da coleção que chamamos Bíblia Hebraica (Antigo Testamento) em um único rolo. Quando visualisamos vários rolos dentro de recipientes num chão de uma sinagoga podemos facilmente entender que o acesso ao material que hoje conhecemos como Bíblia era bem diferente. Hoje podemos ler e realizar pesquisas de palavras em milhões de livros eletrônico com um toque, o que no tempo de Jesus não era possível.

A coleção
A maneira como os livros eram produzidos na antiguidade influenciou a maneira como a Bíblia fora formada e compreendida. Como observei acima, sua materialidade impossibilitava uma coleção de livros num único volume como a que possuímos. O que convencionalmente chamamos de Bíblia é uma antologia ou coleção de vários escritos de autoria e períodos diferentes. Alguém teve que juntar tudo isso. Sabemos que no decorrer da história tanto Israelitas como Cristãos preservaram diferentes coleções de escritos sagrados com números diversos de livros.[5] Quando observamos o processo de preservação de escritos na antiguidade, vemos que os reis e sacerdotes eram os principais responsáveis por produzir e colecionar documentos. Os escribas eram, em sua maioria, trabalhadores da corte e sacerdotes.[6]

“Nas relações (arquivos) e nas memórias do tempo de Neemias, contavam-se os mesmos feitos e como também ele formou uma biblioteca, reunindo tudo o que se referia aos reis e aos profetas, os escritos de Davi e as cartas dos reis a respeito das oferendas. Do mesmo modo, Judas reuniu todos os livros espalhados pelas guerras que sobrevieram, e essa coleção se encontra em nosso poder. Por conseguinte, se tendes necessidade de um desses livros enviai-nos mensageiros que vo-los levarão.” (2 Mac 2:13-15)[7]

Em Qumran, no deserto da Judeia, próximo ao Mar Morto, foi encontrado a única biblioteca de livros Israelitas datada da época de Jesus. Uma informação valiosa para a reconstrução histórica do que seria as “sagradas escrituras” dos Israelitas nesse período. Quanto aos livros que compõem a coleção bíblica Massorética-Farisaica, que é a seguida por muitos Protestantes hoje em dia, os Manuscritos do Mar Morto mostram que quase todos eles, com exceção de Ester, já eram considerados sagrados por um grupo de Israelitas. Além desses livros muitos outros documentos também eram considerados sagrados, como o livro de Enoque (citado em Judas 9) e Jubileu. Sabemos disso pois esses escritos são mencionados por documentos de Qumran como a palavra do Senhor. Além disso, é importante mencionar que as cópias de textos “bíblicos” como o do profetas Isaías, não eram identicas. O texto era maleável.

Já a coleção de documentos sagrados preservados pelos Judeus, e posteriormente pelos Cristãos no Egito, a Septuaginta (LXX) também não se limitava aos livros do cânon Farisaico ou Protestante. Temos então evidência de quais documentos eram considerados sagrados pelos Israelitas, como Paulo sugeriu para Timóteo? Não dá para se ter certeza dos detalhes, mas as evidências sugerem uma certa coleção.

A referência mais antiga de coleções de livros sagrados em Israel vem dos Manuscritos do Mar Morto. Num documento datado possivelmente do 3º século AEC, lemos “o livro de Moisés [e] o livro[s dos pro]fetas e Davi.”(4Q397 [MMTa]:14-21.10). Do 2º século AEC, no texto acima de 2 Macabeus 2, o autor menciona documentos coletados por Neemias acerca dos reis, profetas, e "os escritos de Davi e as cartas dos reis" após já haver mencionado, por nome Jeremias, e a Lei (vv.1-2). Se confiável, temos evidência, então, de uma coleção de livros atribuídos a Davi e aos profetas já no 5o século AEC. Como 2 Macabeus, também do 2o século, lemos no prólogo do livro de Sabedoria (Eclesiásticos) de Jesus (Josué), coletado pelo pelo seu neto, o filho de Sira (ben Sirach), sobre a leitura da "lei, dos profetas, e de outros (ou demais) livros de nossos ancestrais." É curioso notar que o autor afirma que a leitura desses livros traria instrução e sabedoria, semelhante ao que Paulo escreveu a Timóteo (2 Tim 3:16-17).

O que podemos certamente inferir dessas referências sobre coleções de livros sagrados anterior a Jesus e Paulo[8] é que a Lei (em Hebraico, Torá) já era idenficada com Moisés e tinha preeminência. Além do Pentateuco (do Grego, cinco rolos), somos informados de uma coleção atribuída a Davi, possivelmente os Salmos, e outra coleção atribuída aos Profetas. Curiosamente, em Eclesiásticos, Davi não é mencionado, e sim, “outros escritos.” É possivel aqui já identificar algo parecido com a divisão de livros na Bíblia na tradição judaica (farisaica): a Lei (Torá), os Profetas (Neviim), e os Escritos (ketubim). Essa é a TaNaKh, um acrôstico com as letras iniciais do título de cada coleção.

Como as referências acimas não especificam quais livros compunham tais coleções, não seria prudente ser categórico quanto aos detalhes, mesmo porque a Septuaginta e a biblioteca de Qumran possuem mais livros do que eventualmente seriam chamados de Bíblia. Mas é importante perceber que, pelo menos, as coleções ou categorias de escritos já eram amplamente formulados antes de Timóteo. E são basicamente essas coleções, a Torá (Moisés), os Profetas e os Salmos (Escritos?), que são mencionados por Jesus na estrada de Emáus (Luc 24:44).

A primeira menção histórica a uma lista de livros, não apenas coleções, é feita pelo historiador Judeu do 1º século Josefo (Contra Ápion 1:38-42). Ali lemos sobre vinte e dois livros que contém toda a história dos Hebreus e são considerados divinos (linha 38). Cinco são atribuídos a Moisés. Josefo continua descrevendo que do período da morte de Moisés até a Pérsia lê-se nos profetas compostos de treze livros, e os demais quatro livros são coleções de hinos e sabedorias. Esse texto é de fundamental importância na história da formação da coleção que chamamos Bíblia, pois testifica da solidez da tradição Israelita em preservar tais escritos. Nele também encontramos a natureza da seleção, documentos sobre a história de Israel, dizeres éticos e textos litúrgicos, sobre a qual elaboro mais abaixo. Mas também aqui não somos informados de todos os detalhes de quais livros compunham a lista dos Profetas e demais livros.[9]

Pelo menos temos em Josefo um número aproximado com que trabalhar nossas especulações. Digo aproximado porque em 4 Esdras 14:44-46, texto também do 1º século, somos informados de vinte quatro livros que deveriam ser lidos pelos Israelitas e de outros setenta livros que apenas os mais doutos deveriam ler. Na tradição Massorética-Farisaica, da qual herdamos a Bíblia Hebraica ou Antigo Testamento, são vinte e quatro livros, enquanto que na coleção mínima dos Protestantes são trinta e nove, embora os documentos sejam os mesmos. A diferença se dá pela maneira de organizá-los. Por exemplo, todos os Profetas Menores na tradição Israelita são identificados como um único livro, assim como os volumes duplos de Samuel, Reis e Crônicas são considerados um livro cada. As listas formuladas pelos Cristãos até o 5º século, feitas em contato com Judeus na terra de Israel, também são aproximadamente esse número (entre vinte dois e vinte e quatro).

As diversas coleções com sequências diferentes (ver tabela) demonstram a natureza maleável da organização desses livros.[10] Tendo em vista como livros eram manufaturados dá para entender a razão. O que enfatizo aqui é que, apesar de uma certa coletânea estável de livros sagrados, Judeus e Cristãos entre os séculos 2 e 5 ainda manipulavam sua ordem, principalmente a dos Profetas e dos Escritos, além do debate se um ou outro livro, como Ester, deveria fazer parte (Mishna m. Yadayim 3:5).[11] Isso possivelmente se deu por causa do desenvolvimento litúrgico em várias regiões.

O papel da liturgia no Cânon
A passagem de Josefo acima mencionada (Contra Ápion 1:38-42) mostra a natureza da seleção dos escritos sagrados. A Torá tem papel preponderante. A história Israelita e os oráculos proféticos serviam, então, de comentários a Lei, expandindo sua mensagem. E enfim, textos com prece, louvor e sabedoria completavam a coleção. Nesse processo de formação física das “sagradas escrituras” temos, por certo, que os vinte e quatro livros da tradição Massorética-Farisaica eram aceitos pela maioria dos Judeus, o que seria possível também a coleção referida por Jesus. Textos da leitura na sinagoga encontrados no Novo Testamento confirmam tais observações. Sobre a preeminência da Torá, lemos em Atos 15:21 que Moisés é lido na sinagoga todos os sábados. Nenhuma outra coleção é mencionada. Junto a isso temos a tradição de que os Saduceus e os Samaritanos se atinham apenas à Torá.[12]

A maioria dos Judeus, no entanto, além da leitura da Torá, suplementavam com a leitura dos Profetas. Lemos sobre essa prática tanto na terra de Israel (e.g., Nazaré em Luc 4:16-20) como também fora dela na Diáspora (e.g., Atos 13:14-15). A leitura da Torá (Lei) era algo estabelecido na religiosidade Israelita (e.g., Deut 31:9-11; Ne 8:18; 2 Reis 23:1-3), e parece que algo como um comentário dos demais escritos seguia a leitura da Torá já na época de Neemias (9:14, 26, cf. Atos 13:14-15). O comentário tinha o intuito de explicar a Torá, a palavra de Deus por excelência. Parece razoável inferir que, com o passar do tempo, demais escritos usados como comentários à Lei foram considerados também divinos. Esses comentários davam legitimidade e clareza aos dizeres antigos do Senhor Deus de Israel (cf. Prólogo de ben Sirach).

Conclusão
Quais então eram as “sagradas escrituras” que Paulo recomendou à Timóteo? Pela história acima e as citações encontradas em nos escritos do que se tornou Novo Testamento,[13] podemos inferir que pelo menos a coleção do Pentateuco, alguns profetas e Salmos era o que Paulo tinha em mente. Mas não devemos pensar em livros com textos fixos e uma coleção determinada de títulos chamado Bíblia. Ao contrário de muitos Cristãos e Judeus que a partir da Idade Média idealizavam a Bíblia como um livro com um texto imutável, a palavra de Deus para os Israelitas da época de Jesus era mais maleável.[14] O que mais importava não era um texto fixo, e sim, um grupo de escritos que trazia uma reflexão sobre a maneira que Deus havia guiado o Seus povo e dava certa direção e propósito quanto ao futuro.

TABELA 1: Lista de livros da Bíblia entre os II-V séculos

Melito of Sardis (Eusébio Cesareia, História Eclesiástica 4.26) II/IV EC
Lista de Bryennios
II/XI EC

Orígenes
III EC

Jerônimo V EC
Gênesis
Êxodo
Números
Levítico
Deuteronômio
Josué
Juízes
Rute
4 Reinos (Samuel and Reis)
Crônicas
Salmos
Provérbios/ Sabedoria
Eclesiastes
Cantares
Isaías
Jeremias 
Os Doze (Profetas Menores)
Daniel
Ezequiel
Esdras

Gênesis
Êxodo
Levítico
Josué
Deuteronômio
Números
Rute
Juízes
Salmos
4 Reinos (Samuel and Reis)
Crônicas
Provérbios
Eclesiastes
Cantares
Jeremias 
Os Doze (Profetas Menores)
Isaías
Ezequiel
Daniel
Esdras
Ester

Gênesis
Êxodo
Levítico
Números
Deuteronômio
Josué
Juízes-Rute
4 Reinos (Samuel and Reis)
Crônicas
1-2 Esdras (Esdras-Neemias)
Salmos
Provérbios
Eclesiastes
Cantares
Isaías
Jeremias  –Lamentações – Carta de Jeremias
Daniel
Ezequiel
Ester
Macabeus
*Os Doze (Profetas Menores?)

Gênesis
Êxodo
Levítico
Números
Deuteronômio
Josué
Juízes
Rute
4 Reinos (Samuel and Reis)
Isaías
Jeremias 
Ezequiel
Os Doze (Profetas Menores)
Salmos
Provérbios
Eclesiastes
Cantares
Daniel
Crônicas
Esdras (Esdras e Neemias)
Ester


TABELA 2: Lista de livros da Bíblia na tradição Judaica

Torá
Neviim (Profetas)
Ketuvim (Escritos) *Bíblia Hebraica Stuttgartensia
Gênesis
Êxodo
Números
Levítico
Deuteronômio

Josué
Juízes
Rute
Samuel (1 e 2)
Reis (1 e 2)
Isaías
Jeremias 
Ezequiel

Jeremias 
Ezequiel
Isaías (Talmude Babilônico, Baba Bathra)

Os Doze (Profetas Menores)
Salmos
Provérbios
Rute
Cantares
Eclesiastes
Lamentações
Ester
Daniel
Esdras-Neemias
Crônicas (1 e 2)


TABELA 3: Lista de livros da Bíblia na tradição Judaica, diferentes sequências dos Ketuvim (Escritos)

Ketuvim (Escritos)
Septuaginta (LXX)
Talmude Babilônico, Baba Bathra
Megillot (5 rolos)
Salmos
Provérbios
Eclesiastes
Cantares
Rute
Salmos
Provérbios
Eclesiastes
Cantares
Lamentações
Daniel
Ester
Esdras-Neemias
Crônicas (1 e 2)

Rute
Cantares
Eclesiastes
Lamentações
Ester
(Bíblia, Jewish Publication Society, 1917)

Cantares
Rute
Lamentações
Eclesiastes
Ester
(Bíblia, Jewish Publication Society, 1985)





[1] Para um resumo sobre o cânon bíblico numa perspectiva Adventista ver Gerald Klingbeil, “O Texto e o Cânon das Escrituras,” pp. 91-110 em Compreendendo as Escrituras: Uma Abordagem Adventista, ed. George W. Reid (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2007). Embora informado, o objetivo de Klingbeil é mais amplo que o meu objetivo aqui nesse artigo, ele resume os passos históricos na formação de toda a Bíblia incluindo o Novo Testamento. Ele não se demora nos detalhes da formação da Bíblia Hebraica (Antigo Testamento), além de assumir uma posição questionável sobre a relação entre cânon e escritos sagrados no tempo de Jesus. Para uma avaliação mais coerente historicamente ver Timothy H. Lim, “Authoritative Scriptures and the Dead Sea Scrolls,” pp.303-322 em The Oxford Handbook of the Dead Sea Scrolls, ed. John J. Collins e Timothy H. Lim (New York, NY: Oxford University Press, 2010); Molly M. Zahn, “Rewritten Scriptures,” pp.323-336 em ibid.

[2]  Se tomado o exemplo dos Manuscritos do Mar Morto, dependendo de com realiza-se o cálculo, cerca de 90% do manuscritos estão em pergaminhos. Para um estudo recente avaliando os Manuscritos do Mar Morto na perspectiva da produção literária do antigo Oriente ver Sidnie W. Crawford, Scribes and Scrolls at Qumran (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2019).

[3] Crawford, Scribes and Scrolls, cap. 2; Larry W. Hurtado e Chris Keith, “Writing and Book Production in the Hellenistic and Roman Period,” pp.63-80 em The New Cambridge History of the Bible: From the Beginnings to 600, ed. James Carleton Paget e Joaquim Schaper (New York, NY: Cambridge University Press, 2013).

[4] Como o rolo do Templo (11Q19).

[5] Para a lista de livros em diversos cânones bíblicos no Cristianismo ver

[6] Crawford, Scribes and Scrolls, cap. 2 e 3; William M. Schniedewind, “Writing and Book Production in the Ancient Near East,” pp. 46-62 em The New Cambridge History of the Bible. Por exemplo, Baruque como escribe do profeta Jeremias, e Esdras, um sacerdote escriba.


[8] Poderia ter adicionado a passagem de Isa 8:16 e 20 que menciona o ensino do profeta baseado no testemunho (teudah) a na instrução (torah). É possível que a torah aqui já poderia ser a coleção dos cinco atribuídas a Moisés. Quanto aos testemunhos é incerto.

[9] Perceba a semelhança com a nomenclatura usada por Eclesiásticos: Torá, Profetas, e demais livros.

[10] Para uma recente discussão do cânon da Bíblia Hebraica ver Timothy H. Lim, The Formation of the Biblical Canon, The Anchor Yale Bible Reference Library (New Haven, CN: Yale, 2013). para um resumo e implicações ver cap. 10. O mais completo estudo sobre o cânon é o de Lee Martin McDonald, The Formation of the Biblical Canon, 2 vols. (Edinburgh: T&T Clark, 2017).

[11] Curiosamente é conhecido a ausência de Ester nos Manuscritos do Mar Morto e no Novo Testamento.

[12] Sobre os Saduceus ver Josefo, Antiguidades 13:297-298, e para os Samaritanos ver Gary N. Knoppers, Jews and Samaritans: The Origins and History of Their Early History (New York, NY: Oxford University Press, 2013), 178-194. Em geral sobre a leitura de textos sagrados na liturgia da sinagoga e sua influência na formação do cânon ver Charles Perrot, “The Reading of the Bible in the Ancient Synagogue,” pp.136-159 em Mikra: Text, Translation, Reading & Interpretation of the Hebrew Bible in Ancient Judaism & Early Christianity, ed. Martin Jan Mulder (Peabody, MA: Hendrikson, 2004).

[13] Ver Gregory K. Beale e D. A. Carson,  Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento (São Paulo, SP: Vida Nova, 2014).

[14] James L. Kugel, “The Emergence of Biblical Interpretation in Antiquity,” pp. 25-45 em Interpreting Scriptures in Judaism, Christianity and Islam: Overlapping Inquiries, ed. Mordechai Z. Cohen e Adel Berlin (Cambridge: Cambridge University Press, 2016).


quarta-feira, 8 de abril de 2020

Páscoa


Shalom!

É o feriado de Pessach (Páscoa) e da Hag HaMatzot (Semana dos Pães Asmos). 

Aproveito esta oportunidade para refletir sobre o significado desses tempos sagrados. Nos próximos dias, leia os 18 primeiros capítulos do livro de Êxodo para apreciar o motivo da temporada. Abaixo algumas das minhas reflexões sobre isso.

No livro de Êxodo, a história começa com os Israelitas em escravidão depois que um governante perverso (Faraó) chegou ao local que ignorou o papel de José na libertação agrícola do Egito durante a seca. Os filhos de Jacó, que haviam ido ao Egito, escapando da esterilidade, agora se encontravam em uma inesperada situação de escravidão. Eles clamam a Deus, mas parece que Deus os havia abandonado. Mas apenas apareceu. As damas de Israel se tornam férteis e os Israelitas produzem tantos filhos que até o faraó é ameaçado. Outra circunstância triste, no entanto, está a caminho. Os bebês são executados pelos soldados egípcios. Parece que a esterilidade era o destino deles. Enquanto isso, Deus resgata o bebê Moisés, que serviria como um sinal do que Ele faria com Seu filho Israel.

Novamente, eventos infelizes aconteceram e Moisés teve que deixar o Egito. Por quarenta anos, os Israelitas vivem em escravidão e Moisés no deserto, uma terra árida. Talvez seja um sinal da amnésia e do abandono de Deus. Mas apenas pareceu. No devido tempo, Deus aparece. Moisés é enviado ao Faraó com a mensagem: "Deixe meu povo ir!" Não seria assim tão fácil. Depois dos sinais de Moisés transformando a água em sangue e um pau em uma cobra, parece que o Faraó ficaria convencido. Mas apenas pareceu. Foram necessárias dez pragas e a morte dos primogênitos dos egípcios para quebrar a teimosia do faraó e as dúvidas dos Israelitas.

Na última manifestação do poder de Deus no Egito, é ordenado aos Israelitas que eles fizessem uma refeição especial enquanto a morte pairava do lado de fora de suas casas. O anjo do SENHOR tiraria a vida do primogênito daqueles que não seguissem as detalhadas instruções. Um cordeiro deveria ser abatido e seu sangue colocado em seus batentes de porta para apagar a memória da escravidão e cultura egípcias, ao mesmo tempo em que fornecia uma nova identidade aos participantes da refeição. Naquela noite, eles seriam entregues. Não havia tempo para levedar o pão. Eles comeriam bolachas sem fermento naquela noite, com cordeiro assado e ervas amargas. Eu posso imaginar a angústia e o alívio daquela noite fatídica. 

Enquanto eles comiam, a morte passava sobre os salvos pelo sangue do cordeiro. Mas a morte entrou nas casas daqueles que ignoraram o convite da misericórdia. Os prantos dos pais egípcios quebram o silêncio. É o clamor de incrédulos no que acabara de acontecer dentro de suas casas, por causa do excesso de confiança de seu líder.

Era primavera no Egito. Aquele era o tempo da nova vida. Mas apenas pareceu. A vida nunca mais seria a mesma. Quando as colheitas deveriam crescer, a terra foi devastada. Havia pouco que o Egito pudesse oferecer. Os Israelitas tiveram que procurar refúgio em outra terra, a prometida que fluía com leite e mel. Mas as expectativas falharam novamente. Eles primeiro tiveram que passar pelo deserto. Lá para ser alimentado por Deus. 

Embora pareça que a experiência da Páscoa foi o fim, apenas pareceu assim. A décima praga foi apenas o começo. Um reinício para um grupo de ex-escravos. Para aqueles Israelitas, a liberdade era maravilhosamente estranha. Eles tiveram que desaprender muitas coisas e aprender outras, se quisessem se afastar do Egito. A refeição da Páscoa se tornaria um lembrete das aparências fracassadas do poder humano e do momento perfeito de Deus.

Como comemoramos hoje a Páscoa, enquanto a morte paira fora com o Covid-19, não deixe que as aparências de desespero o assolem. Deus está no controle da história. Confie nele, ouça seus comandos e, no devido tempo, seremos também libertos.

 “Se vocês derem atenção ao Senhor, o seu Deus, e fizerem o que ele aprova, se derem ouvidos aos seus mandamentos e obedecerem a todos os seus decretos, não trarei sobre vocês nenhuma das doenças que eu trouxe sobre os egípcios, pois eu sou o Senhor que os cura.” (Êxodo 15:26)